terça-feira, 26 de março de 2019

Sua linguagem afeta sua capacidade de economizar dinheiro?

Keith Chen, em  Palestra na TEDGlobal 2012, se pergunta: Could your language affect your ability to save money?

A crise econômica mundial reacendeu o interesse do público em uma das mais antigas questões em Economia, antes mesmo de Adam Smith. A questão é: por que países com economias e instituições parecidas podem mostrar comportamento radicalmente diferente em relação a economizar, isto é, poupar uma parte da renda?

Bem, muitos economistas brilhantes passaram todas suas vidas trabalhando esta questão. Este é um campo que tivemos muito progresso e entendemos muito sobre isso. O que irei falar para vocês hoje é uma nova intrigante hipótese e algumas novas descobertas surpreendentes e poderosas.

Estou trabalhando sobre a ligação entre as estruturas da língua falada e como você se encontra em relação à propensão de economizar. Falarei um pouco sobre taxas de poupança, um pouco sobre idioma, e depois farei a conexão.

Vamos começar pensando sobre os países membros da OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Os países do OCDE, em geral, você pode pensar assim são os mais ricos e mais industrializados países do mundo. Ao se unirem na OCDE, estão afirmando um compromisso comum para democracia, mercados abertos e livre comércio. Apesar de todas estas similaridades, vemos grandes diferenças no comportamento de economizar.

Então todos do lado esquerdo deste gráfico, o que vocês veem são países da OCDE que economizam mais de um quarto de seu PIB todo ano, e alguns países da OCDE economizando mais de um terço de seu PIB por ano. Olhando para o lado direito do gráfico da OCDE, até o extremo, é a Grécia. O que vocês veem é que nos últimos 25 anos, a Grécia mal consegue economizar mais de 10 % do seu PIB. Vocês devem notar: os Estados Unidos e o Reino Unido são os próximos.

Vocês veem essas grandes diferenças nas taxas de poupança. Como é possível a língua ter algo a ver com essas diferenças? Deixem me explicar como línguas diferem fundamentalmente. Linguistas e cientistas cognitivos têm explorado esta questão por muitos anos já. E eu vou fazer a conexão entre esses dois comportamentos.

Muitos já devem ter notado: eu sou chinês. Cresci no Meio Oeste dos Estados Unidos. Percebi desde cedo a língua chinesa ter me forçado a falar, na verdade, mais do que isso, ela me forçou a pensar sobre família em diferentes formas.

Como pode ser? Vou dar um exemplo. Vamos supor: estou conversando com vocês e eu apresento meu tio. Vocês entenderam exatamente o que acabei de falar em inglês. Se estivéssemos falando em mandarim, eu não teria esse luxo. Eu não conseguiria passar tão pouca informação. O que minha língua teria me forçado a fazer, em vez de apenas dizer, “Este é meu tio,” é dizer a você um monte de informação adicional.

Minha língua teria me forçado a dizer a você:

  1. se esse era meu tio por parte de mãe ou por parte de pai,
  2. se era um tio por razão de casamento ou de nascimento, e
  3. se este homem era o irmão de meu pai,
  4. se era mais velho ou mais novo que meu pai.

Toda essa informação é obrigatória. A língua chinesa não permite essa omissão. Na verdade, quero falar corretamente, o chinês me força a pensar constantemente.

Isto me fascinava muito quando era criança. O que me fascina ainda mais hoje como economista é algumas dessas diferenças influenciarem em como as línguas falam sobre o tempo.

Por exemplo, se estou falando inglês, tenho que falar gramaticalmente diferente se falo sobre uma chuva passada, “Choveu ontem,” a chuva atual, “Está chovendo agora,” uma chuva futura, “Vai chover amanhã.” Notem: o inglês requer mais informação com respeito ao tempo dos eventos. Por que? Porque tenho que considerar o tempo e tenho que modificar o que digo, “choverá” ou ” vai chover”. Não é permitido no inglês dizer, “chove amanhã”.

Por outro lado, isso seria basicamente o que você diria em chinês. Um falante da língua chinesa pode dizer algo que soa muito estranho aos ouvidos de um falante do inglês. Eles podem dizer, “ontem chove”, “agora chove”, “amanhã chove”. Em um sentido profundo, o chinês não divide o espectro do tempo do mesmo modo que o inglês nos força constantemente para falarmos corretamente.

Esta diferença nas línguas acontece somente em línguas muito distantes como inglês e chinês? Na verdade, não. Muitos de vocês sabem: o inglês é uma língua germânica. O inglês, na verdade, é uma discrepância. É a única língua germânica a requerer isso. Por exemplo, a maioria dos falantes de língua germânica se sentem muito confortáveis em falar sobre a chuva de amanhã dizendo, “Morgen regnet es”, literalmente diz em inglês, “chove amanhã.”

Como economista comportamental, isto me leva a uma hipótese intrigante. Poderia o modo com que se fala do tempo, como a língua força você a falar do tempo, afetar a sua tendência comportamental ao longo do tempo?

Você fala inglês, uma língua com futuro. Isso significa que cada vez que você discute o futuro, ou qualquer evento no futuro, você é forçado gramaticalmente a separá-lo do presente, e tratá-lo como algo visceralmente diferente.

Essa diferença visceral faz dissociar sutilmente o futuro do passado toda vez que se fala. Se isso for verdade e fizer com que o futuro seja algo mais distante e diferente do que o passado, então fica mais difícil de economizar.

Por outro lado, se você fala uma língua sem o futuro, você fala o presente e o futuro da mesma maneira. Se você sente os dois próximos, será mais fácil economizar.

Bem, esta é uma teoria utópica. Eu sou professor acadêmico, sou pago para ter teorias utópicas. Que tal se você testar esta teoria?

O que fiz foi pesquisar a literatura linguística. Foi interessante saber haver muitos falantes de línguas sem o futuro em todo mundo. Existem falantes de línguas sem o futuro no norte da Europa. Interessante, quando você junta os dados, esses bolsões de falantes de língua sem o futuro em todo mundo são, geralmente, os melhores poupadores do mundo.

Só para dar uma dica, vamos olhar de novo o gráfico da OCDE que estávamos falando a respeito. Vocês veem essas barras sistematicamente mais altas e deslocadas para a esquerda se comparadas com estas barras referentes aos membros da OCDE com línguas com o futuro. Qual a média de diferença aqui? Cinco pontos percentuais do PIB economizados por ano. Em 25 anos isto tem um grande efeito a longo prazo na riqueza de uma nação.

Essas descobertas são sugestivas, mas os países podem ser tão diferentes de modos diversos a ponto de ser muito difícil às vezes explicar todas essas possíveis diferenças. O que vou mostrar é algo no qual estou trabalhando há um ano: tentar juntar todos os maiores conjuntos de dados acessíveis como economistas, e tentar retirar todas possíveis diferenças, na esperança de romper esta relação. Só para resumir, não importa o quanto tente, não consigo rompê-la. Vou mostrar como vocês podem fazer.

Uma maneira de imaginar isso é juntar um grande número de conjuntos de dados pelo mundo. Por exemplo, há esta pesquisa de saúde, envelhecimento e aposentadoria na Europa. Destes dados se aprende as famílias europeias aposentadas serem extremamente pacientes com o pesquisador. (Risos)

Imagine sendo um aposentado chefe de família na Bélgica e alguém chega a sua porta. “Por favor, o senhor se importa se eu folhear a sua carteira de ações? Por um acaso sabe quanto vale sua casa? Se importa de me dizer? O senhor tem um corredor de mais de 10 m de comprimento? Se sim, se importa que eu meça quanto tempo leva para atravessá-lo? Se importa de apertar o máximo que pode este aparelho com sua mão dominante, para que eu possa medir sua força? Que tal assoprar este tubo para medir sua capacidade pulmonar?” A pesquisa leva um dia. (Risos)

Combine isso com a Pesquisa Demográfica e de Saúde coletada pela USAID em países em desenvolvimento na África, por exemplo, a qual pode ir até mesmo à medição direta da condição positiva do HIV das famílias vivendo, por exemplo, na Nigéria rural.

Combine isso com a pesquisa da World Value Survey. Ela mede a opinião política e, ainda bem para mim, o comportamento em economizar de milhões de famílias em centenas de países no mundo.

Pegue todos esses dados, combine e este é o mapa ao qual você chega. O que você acha são nove países no mundo com uma população nativa significante falante em línguas com futuro e sem futuro. O que vou fazer é formar pares combinados estatisticamente entre famílias quase idênticas em cada dimensão medida. Assim exploro se a ligação entre língua e economia se sustenta mesmo depois de controlar todos esses níveis.

Quais são as características que podemos controlar? Bem, vou combinar famílias em países de nascimento e residência, a demografia – qual gênero, suas idades –, seu nível de renda no seu país, seu grau de escolaridade, sua estrutura familiar. Verifica-se haver seis maneiras diferentes de casar na Europa. Para detalhar melhor, eu os divido por religião e há 72 religiões no mundo, há um nível extremo de granularidade. Há 1,4 bilhões de maneiras de se encontrar uma família.

Efetivamente, tudo que eu direi daqui para frente é comparando somente estas famílias basicamente quase idênticas. Está ficando cada vez mais próximo do experimento imaginado de achar duas famílias habitantes em Bruxelas e idênticas em cada uma dessas dimensões, mas uma fala Flamengo e outra fala Francês; ou duas famílias que vivam na área rural da Nigéria, uma fala Hausa e outra Igbo.

Depois desse nível granular de controle, os falantes de língua sem futuro parecem economizar mais? Sim, esses falantes, mesmo depois desse nível de controle, em 30% deles disseram terem economizado em um ano em particular. Isto tem efeito acumulado? Sim, quando se aposentam, os falantes de língua sem futuro, com renda constante, irão se aposentar com mais de 25% em sua poupança.

Podemos ir mais fundo nos dados? Sim, como eu disse, nós coletamos muitos dados de saúde como economistas. O que pensar dos comportamentos de saúde em relação a economizar [poupar]?

Pense sobre fumar, por exemplo. Em certo sentido, fumar é uma economia negativa. Se economizar é uma dor atual em troca de um futuro prazeroso, fumar é o oposto. É prazer atual em troca de um futuro doloroso.

O que esperamos então é o efeito oposto. É isso que encontramos. Falantes de línguas sem futuro têm 20% a 24% menos probabilidade de fumar, em algum momento, se comparado com famílias idênticas, serão 13% a 17% menos prováveis de serem obesos quando se aposentarem, e reportam serem 21%mais prováveis de usarem camisinha em sua última relação sexual. Poderia seguir com a lista de diferenças. É quase impossível não achar um comportamento de economizar [poupar] no qual este forte efeito não esteja presente.

Meus colegas em Linguística e em Economia, em Yale, e eu estamos apenas começando este trabalho e explorando e entendendo os caminhos destas sutis diferenças. Como nos afeta a maneira de pensar cada vez mais sobre o futuro, cada vez quando falamos.

Por fim, o objetivo, quando entendermos como esses efeitos sutis podem mudar nossa tomada de decisão, é poder prover às pessoas com ferramentas para elas se tornarem conscientemente melhores poupadores e daí investidores mais conscientes do seu futuro.

Comentário de Fernando Nogueira da Costa:

Esta é uma pesquisa microeconômica. Há de ter cuidado para, a partir de diferenças entre famílias falantes em determinadas línguas com e sem futuro, extrapolar para todo o País sem ponderar os pesos de cada tipo de famílias.

Por exemplo, o Princípio da Demanda Efetiva levanta, rapidamente, uma hipótese para esse registro contábil de alta poupança na China. Se ela teve um crescimento muito maior em relação ao restante do mundo, nas últimas décadas, deve-se basicamente ao aumento significativo do endividamento para investimento em infraestrutura urbana, além da exportação.

No sistema bancário chinês, há aumento da concentração dos empréstimos bancários em grande escala, principalmente, em empresas controladas pelo Estado chinês. A estratégia deste é promover a melhoria na capacidade de recuperação ­financeira e o crescimento econômico sob a liderança dos bancos.

A estratégia do Estado chinês, claramente, abandona a doutrina da resiliência financeira, entendida como a maximização do lucro e a minimização do risco bancário. A crença chinesa é a resiliência fi­nanceira em si nem sempre constituir o principal objetivo do ponto de vista do desenvolvimento. Deve ser complementada e equilibrada por outros elementos capazes de reforçarem sua efetividade em tempos de crise.

Dadas as restrições de atuação dos investidores estrangeiros no sistema ­financeiro doméstico, a dívida pública chinesa permanece nos portfólios dos bancos estatais. Apenas 1% da dívida do governo central está denominada em moeda estrangeira. Eles são forçados a aceitar a taxa de juros determinada pelo governo. A preservação desse mercado “cativo” para a dívida pública e para os títulos emitidos pelos bancos de desenvolvimento assegura também o controle da taxa de juros no âmbito doméstico.

Lastreados por esses títulos de dívida pública com baixo risco soberano, a capacidade de expandir o crédito, por meio de diversas instituições bancárias e não bancárias, tem sido extraordinária. Os ativos totais do sistema ­financeiro estrito saltam de USS 3,3 trilhões em 2003 (204% do PIB) para US$ 25,0 trilhões em 2013 (270% do PIB).

O setor ­financeiro chinês – bancos estatais, banco central e comissão de regulação bancária – desempenhou papel crucial nas gigantescas transformações estruturais chinesas. Eles organizaram uma vasta rede de investimentos, promovendo setores, empresas, regiões e infraestrutura. Desde o início das reformas de Deng-XiaoPing, quando se estabeleceu metas específicas para o PIB e a renda per capita para as futuras décadas, a formação bruta de capital ­fixo (FBCF) se manteve acima de 25% do PIB. Entre 2003 e 2013, ultrapassou 40% do PIB. A taxa de crescimento do PIB atingiu dois dígitos em diversos momentos neste período.

Portanto, crentes em poupança microeconômica ex-ante extrapolada para poupança macroeconômica ex-post, a estratégia do Capitalismo de Estado chinês foi planejada com endividamento e investimentos das empresas estatais, em conjunto com a manutenção da moeda nacional praticamente atrelada ao dólar, ganhando competitividade internacional por barateamento de bens industriais, relacionado à imensa economia de escala e aos baixos salários. Com isso, manteve a velocidade da expansão econômica e do emprego para sua gigantesca força do trabalho. Logo, a elevada taxa de poupança por lá está associada, a posteriori, ao efeito dos juros baixos fixados pelo BCCh, como referência para custo do funding, e repassados com baixo spread pelos empréstimos de bancos públicos.

O crédito multiplica moeda e renda em um processo interativo de diversas rodadas em uma velocidade muito superior ao ritmo padrão do consumo. Ao fim e ao cabo, a diferença entre as dimensões desses dois fluxos resulta na poupança agregada. Esta não é fruto de escolha individual com “o objetivo de transferir renda no tempo, seja para fazer frente a perda da capacidade laboral, deixar herança aos filhos, fazer frente a riscos típicos de uma sociedade de mercado em que o estado de bem-estar social é pouco desenvolvido (como risco de desemprego e de doença), ou para enfrentar situação de restrição ao crédito”. Muito antes pelo contrário…

 

Sua linguagem afeta sua capacidade de economizar dinheiro? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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