sábado, 23 de março de 2019

Estado da Arte da Economia: Defesa de Prosperidade Inclusiva

Diego Viana (Valor, 22/03/19) avalia uma certa desconfiança pairar sobre o pensamento econômico desde a crise dos subprimes. Para o economista turco Dani Rodrik, professor em Harvard, essa desconfiança é injusta, porque associa o que faz a teoria econômica às políticas de desregulamentação que levaram à crise, como se fossem sua aplicação direta. Mas essas políticas, diz Rodrik, são na verdade uma “degeneração” do trabalho acadêmico de pesquisadores em Economia.

Rodrik é um dos coordenadores do projeto Economistas pela Prosperidade Inclusiva (https://econfip.org/), lançado no mês passado, que visa recuperar a boa imagem pública da pesquisa em economia. O projeto lista propostas de políticas públicas e legislação baseadas na teoria e na observação empírica.

O economista reconhece o estudo da economia e sua prática nas universidades estarem concentrados demais no lado da “prosperidade”, ignorando o lado da “inclusão”. É um reflexo dessa limitação a associação entre:

  1. os mercados desregulamentados, as crises financeiras, a explosão das desigualdades e
  2. as ideias dos economistas.

No entanto, argumenta as ferramentas desenvolvidas pela economia nas universidades permitirem ir além dos modelos de equilíbrio centrados na maximização de ganhos individuais. Este é o princípio do projeto, expresso nas dez propostas presentes no livro eletrônico “EfIP: An Introduction” (Get the eBook). Além de Rodrik, também são coordenadores do projeto Suresh Naidu, de Columbia, e Gabriel Zucman, de Berkeley.

“Nossos ensaios fornecem um conjunto abrangente de temas que, juntos, formam uma visão coerente de política econômica, e podem ser uma alternativa genuína ao fundamentalismo de mercado”, afirma Rodrik. Naidu é especialista em mercado de trabalho e desenvolve uma pesquisa que envolve história e economia política. Zucman é autor de “The Hidden Wealth of Nations” (A Riqueza Escondida das Nações) — download em: Gen.lib.rus.ec. Trata de paraísos fiscais.

Download dos demais ensaios:

EfIP Member Policy Briefs

  • POLICY BRIEF 1:

    Economics for Inclusive Prosperity: An Introduction ONLINE PDF

    Suresh Naidu, Dani Rodrik, and Gabriel Zucman 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 2:

    Towards a Better Financial System ONLINE PDF

    Anat R. Admati 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 3:

    An Expanded View of Government’s Role in Providing Social Insurance and Investing in Children ONLINE PDF

    Sandra E. Black and Jesse Rothstein

    February 2019

  • POLICY BRIEF 4:

    Using Wage Boards to Raise Pay ONLINE PDF

    Arindrajit Dube, University of Massachusetts Amherst 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 5:

    Election Law and Political Economy ONLINE PDF

    Ethan Kaplan 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 6:

    Labor in the Age of Automation and Artificial Intelligence ONLINE PDF

    Anton Korinek, University of Virginia and Darden GSB 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 7:

    How to think about finance? ONLINE PDF

    Atif Mian, Princeton University

    February 2019

  • POLICY BRIEF 8:

    Worker Collective Action in the 21th Century Labor Market ONLINE PDF

    Suresh Naidu

    February 2019

  • POLICY BRIEF 9:

    Towards A More Inclusive Globalization: An Anti-Social Dumping Scheme ONLINE PDF

    Dani Rodrik

    February 2019

  • POLICY BRIEF 10:

    Taxing Multinational Corporations in the 21st Century ONLINE PDF

    Gabriel Zucman

    February 2019

Uma das convicções expressa no texto é a de, no mundo real, os resultados possíveis de chegar serem sempre “o segundo melhor”, porque a realidade contém imperfeições que os modelos, para ser científicos, não conseguem captar. Mas a perfeição do modelo elegante é sedutora e atrai muitos economistas, que se perdem em lamentos de um mundo que não se adequa ao ideal.

Assim, as propostas partem do pressuposto de que os mercados atuam bem aquém do limite em que a prosperidade e a justiça – ou a inclusão – se tornam concorrentes; com isso, é perfeitamente possível “ir em direção a uma economia condizente com nossos princípios morais sem sacrificar, e talvez até ampliando, a prosperidade”, nos termos de Rodrik.

As propostas abarcam desde a taxação de multinacionais até os sistemas de votação, passando pela regulação dos salários mínimos e a ação coletiva de trabalhadores. “Muitas das ideias dominantes de política econômica das últimas décadas têm pouco apoio em boa teoria econômica ou dados concretos”, afirma Rodrik. “O chamado neoliberalismo, ou fundamentalismo de mercado, é uma perversão da teoria econômica, não sua aplicação.”

As políticas a que Rodrik se refere remetem à ascensão de políticos como Ronald Reagan nos EUA e Margaret Thatcher no Reino Unido, na virada dos anos 70 para os 80. Reagan discursou dizendo que o governo não poderia trazer soluções para os problemas das pessoas porque o governo era o próprio problema. Thatcher, em entrevista, chegou a afirmar que a sociedade nem sequer existe, apenas indivíduos e famílias. Daí a associação entre teoria econômica e a financeirização das últimas décadas.

Um dos problemas que o grupo identifica está nas exigências com que o jovem economista se depara ao progredir na carreira – que denominam “sociologia da profissão de economista”. Segundo Rodrik, “os incentivos na profissão estão fortemente calcados na publicação em revistas acadêmicas. Jovens economistas que participam de debates públicos são penalizados e acusados de fazer um trabalho ‘preguiçoso’ ou ‘politizado’.” Os autores buscam “militar contra essa tendência”, incluindo a participação no debate público como uma responsabilidade profissional importante.

“Vejo uma transição para um pensamento econômico menos ideológico, mais aberto aos dados concretos, à experimentação de políticas, à diversidade institucional”, afirma Rodrik. “O debate não está mais entre um governo grande ou pequeno, mas no que o Estado pode fazer com eficácia. É uma abordagem muito mais pragmática.”

Os autores diagnosticaram o problema com duas vertentes: se, por um lado, as políticas econômicas das últimas décadas não trouxeram a prosperidade esperada, por outro, a resposta no campo político foi preocupante, com a ascensão de líderes populistas que repetidamente manifestam desprezo pela democracia.

Rodrik evoca um evento acadêmico no ano passado em que se reuniram pesquisadores de diversas disciplinas para avaliar o caminho que o mundo está seguindo. Em reuniões como essa, diz, os economistas acabam se vendo postos na defensiva, já que as políticas do pós-Reagan são consideradas como decorrentes diretamente da maneira de pensar dos economistas, e por extensão também o aumento da desigualdade e a ascensão dos populismos.

Rodrik, Naidu, Zucman e os demais autores argumentam, ao contrário, que o tempo gasto pelo economista estudando os limites da atuação do mercado é maior do que o dedicado a seu bom funcionamento. Microeconomistas se debruçam constantemente sobre falhas de mercado, macroeconomistas sobre o modo como governos podem resolver os problemas do desemprego e da inflação, e o estudo das finanças sobre a instabilidade, o comportamento de risco e as crises.

Contra o “fundamentalismo de mercado”, os autores se colocam como defensores ferrenhos da análise empírica. Assim, lemos: “é difícil idolatrar os mercados quando a pesquisa mostra que o comércio internacional produz enormes efeitos adversos em comunidades locais, salários mínimos não reduzem o emprego e a desregulação financeira gera crises, em vez de crescimento”.

A coordenação internacional é um problema onipresente nas propostas dos economistas, tanto pelo lado da regulamentação financeira quanto pela relação conflituosa entre a circulação de capital e o exercício de poder político local.

A tese mais conhecida de Rodrik é o “trilema da globalização”. Ele figura em seu livro “O Paradoxo da Globalização”. Nele, Rodrik afirma ser possível atingir plenamente apenas dois, de um conjunto com três resultados:

  1. democracia,
  2. soberania nacional e
  3. integração econômica.

No entanto, é possível haver ganhos em todos esses objetivos, se as políticas públicas forem adequadas. “Acreditamos que os países têm um espaço de manobra muito subutilizado, o que não quer dizer que a globalização tenha que ser administrada”, diz Rodrik.

Ele cunhou o termo “hiperglobalização” para se referir à aceleração do comércio internacional a partir da década de 90. Assim, algumas das propostas contidas no livro se destinam especificamente a contornar os limites do trilema: quão longe se pode chegar em termos de democracia e integração econômica sem bater na barreira de Rodrik?

Seu texto é uma tentativa de lidar com o problema, afirma. O economista observou que a opinião pública reage de maneiras diferentes a casos de perda de empregos, que, do ponto de vista do economista, são iguais em seus resultados: uma empresa que supera outra em competitividade porque inventou métodos novos, porque encontrou fornecedores mais baratos em outro país desenvolvido, ou porque transferiu sua produção para um país pobre, com condições de trabalho degradantes.

Nos primeiros dois casos, Rodrik observa que as pessoas são favoráveis à ajuda financeira para que os trabalhadores demitidos se recoloquem. No último caso, porém – e também no caso da importação de trabalhadores de países pobres para trabalhar em más condições -, as pessoas apoiariam a restrição de importações, porque consideram essa concorrência desleal.

Rodrik denomina essa deslealdade “dumping social” e propõe maneiras de combatê-lo. Para o economista, esse exemplo sugere que o sociólogo Karl Polanyi estava correto ao afirmar que a economia de mercado deve estar bem assentada (“embedded“) em instituições sociais.

Zucman, por sua vez, discorre sobre a taxação de multinacionais, que impõe dificuldades porque empresas com atuação global podem movimentar lucros de modo a aproveitar países onde os impostos sejam mais baixos. O resultado é uma corrida entre países para cortar a imposição sobre ganhos corporativos, tornando-se mais competitivos, mas causando impacto nas contas públicas. De 1985 a 2018, a média global das taxas de imposição sobre corporações caiu de 49% a 24%.

A ideia de Zucman consiste em cobrar os impostos não segundo o lucro registrado pela empresa, mas segundo a distribuição geográfica das vendas, instaurando um sistema internacional de rateio. Independentemente de onde uma empresa como Amazon ou Facebook colocassem sua sede, a taxação se daria de maneira igual. Sistemas semelhantes já existem em nível local, aponta Zucman, como na Califórnia, na Alemanha e no Canadá. “Com a globalização, os países estão se tornando cada vez mais como governos locais, então o sistema pode se adaptar”, diz.

As relações de trabalho aparecem nos textos de Arindrajit Dube e Anton Korinek. O primeiro é uma análise dos mecanismos que estabelecem o salário mínimo. Dube propõe que haja múltiplos salários mínimos, negociados por conselhos salariais (wage boards), que poderiam ser eleitos e agregar diferentes grupos de interesse. Baseado no caso australiano, Dube mostra que a desigualdade de renda pode ser reduzida por esse método, uma vez que haveria ganhos salariais também para os níveis médios, não apenas o mais baixo.

Já Korinek investiga o problema dos empregos perdidos para a inteligência artificial, que causa preocupações a muitos estudiosos das relações de trabalho, com previsão de perda de empregos que chegam a passar de 50%. Uma de suas propostas é criar um sistema de incentivos que expresse as externalidades

Suresh Naidu faz pesquisa que envolve história e economia política provocadas pela adoção de uma tecnologia, a exemplo do que ocorre com outras externalidades, como a poluição.

Outra proposta parte da constatação de que uma grande parcela da pesquisa científica e tecnológica é financiada pelo governo, o que permite introduzir a preferência por pesquisas que aumentem a produtividade dos trabalhadores, em vez de tomar seu lugar. Uma terceira proposta consiste em atacar os monopólios naturais que surgem de inovações tecnológicas, que podem ser replicadas ao infinito por seu proprietário.

Essas propostas e as dos demais autores põem foco no tema da desigualdade, que voltou ao centro das preocupações econômicas nesta década, após os trabalhos de Thomas Piketty, Tony Atkinson e Branko Milanovich. Rodrik chama atenção para o crescimento recente de áreas de estudos que, até meados da última década, tinham perdido espaço na academia. É o caso da economia da pobreza, da história econômica e da economia do trabalho.

A última década testemunhou também a emergência de diversas iniciativas que buscam reorientar a atividade do economista, bem como sua formação. É o caso do Institute for New Economic Thinking (Inet, Instituto para um Novo Pensamento Econômico), nos EUA, e do New Economics Foundation (NEF, Fundação para uma Nova Economia), no Reino Unido. Segundo Rodrik, o que diferencia o EfIP de seus congêneres é a proposta de permanecer exclusivamente como um grupo de economistas acadêmicos, sem relação direta com governos ou o mercado.

“Há muitas excelentes iniciativas, mas não queremos tomar o lugar delas. O que queremos é trazer os economistas da universidade para pensar de maneira criativa sobre políticas, mas fazendo isso sem as amarras que vêm junto com a atuação política”, afirma Rodrik.

A culminância da rejeição aos princípios que nortearam a política econômica das últimas décadas, ao menos até agora, é provavelmente a proposta do Green New Deal, hoje encampada pela jovem deputada americana Alexandria Ocasio-Cortez, do Partido Democrata. Reverberando o programa de recuperação econômica do presidente Franklin D. Roosevelt entre 1933 e 1937, a proposta prevê que o governo americano invista pesadamente na transição energética e no combate à desigualdade.

“Alguns dos nossos colaboradores dão grande apoio a essa proposta, mas como um grupo, não impomos opiniões sobre projetos. Sei que outros colaboradores têm opinião mais negativa”, diz Rodrik. Nas dez propostas apresentadas nessa primeira obra, a mudança climática é a grande ausente. Segundo Rodrik, as propostas foram publicadas na ordem em que ficaram prontas e há artigos a caminho sobre o problema ambiental. “Esse é um tema de enorme importância para nós”, diz.

EfIP Member Policy Briefs

  • POLICY BRIEF 1:

    Economics for Inclusive Prosperity: An Introduction ONLINE PDF

    Suresh Naidu, Dani Rodrik, and Gabriel Zucman 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 2:

    Towards a Better Financial System ONLINE PDF

    Anat R. Admati 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 3:

    An Expanded View of Government’s Role in Providing Social Insurance and Investing in Children ONLINE PDF

    Sandra E. Black and Jesse Rothstein

    February 2019

  • POLICY BRIEF 4:

    Using Wage Boards to Raise Pay ONLINE PDF

    Arindrajit Dube, University of Massachusetts Amherst 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 5:

    Election Law and Political Economy ONLINE PDF

    Ethan Kaplan 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 6:

    Labor in the Age of Automation and Artificial Intelligence ONLINE PDF

    Anton Korinek, University of Virginia and Darden GSB 

    February 2019

  • POLICY BRIEF 7:

    How to think about finance? ONLINE PDF

    Atif Mian, Princeton University

    February 2019

  • POLICY BRIEF 8:

    Worker Collective Action in the 21th Century Labor Market ONLINE PDF

    Suresh Naidu

    February 2019

  • POLICY BRIEF 9:

    Towards A More Inclusive Globalization: An Anti-Social Dumping Scheme ONLINE PDF

    Dani Rodrik

    February 2019

  • POLICY BRIEF 10:

    Taxing Multinational Corporations in the 21st Century ONLINE PDF

    Gabriel Zucman

    February 2019

Estado da Arte da Economia: Defesa de Prosperidade Inclusiva publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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