quinta-feira, 7 de março de 2019

Neurocognição e Comportamento Financeiro

Um campo emergente na Economia é o das Finanças Comportamentais. É o resultado da coleta de muitos tipos de dados provenientes de dados experimentais para elaboração da Economia Comportamental e/ou da Neuroeconomia. O comportamento financeiro é, relativamente, “quase fácil” de ser estudado em ambientes naturais e experimentos artificiais. Os resultados desses estudos empíricos e laboratoriais estão permitindo o controle de hipóteses em Economia Cognitiva e a geração de novos insights sobre o comportamento econômico.

Riccardo Vale, autor do livro Methodological Cognitivism Vol. 1: Mind, Rationality, and Society (Berlim: Springer; 2012), conta: no início dos anos 90, Giacomo Rizzolatti e seus colegas, em um laboratório de Neurociência na Universidade de Parma, fez uma descoberta revolucionária. Muitos cientistas afirmam ela ser tão importante para a nossa compreensão do cérebro como o DNA foi para a célula. Eles identificaram o “neurônio espelho”, um tipo particular de neurônio motor do cérebro com uma dupla função, sendo responsável tanto por nossas ações, quanto por nossa compreensão das ações de outras pessoas.

Serendiptismo ou Serendipitia é um anglicismo referente às descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso. A história da Ciência está repleta de casos classificados como de serendipismo. Este é um termo cunhado pelo diplomata britânico Horace Walpole, em 1754, quando se referiu a um conto de fadas persas, onde três príncipes do reino de Serendip – o nome árabe para o Sri Lanka – fizeram uma inesperada e sortuda descoberta.

A descoberta do neurônio-espelho é um caso clássico de serendipitia. No laboratório onde o grupo de Rizzolatti estava estudando os neurônios motores de macacos, haviam alguns amendoins: às vezes os macacos os comiam para executar certas tarefas, e outras vezes eles eram recompensados por uma tarefa realizada com outro objeto. Mas todo mundo gostou do amendoim, não só os primatas. Em um certo momento, entre as gravações, alguém assistindo aos experimentos “roubou” alguns amendoins do recipiente preparado para os animais. Quando um desses “roubos” ocorreram, logo quando o pesquisador de plantão colocava um punhado deles em sua boca, o osciloscópio, onde se registrava a atividade dos neurônios do macaco, soltou uma estática muito estranha, tipo um som tac. O macaco estava parado. Ele não estava interagindo com nenhum outro objeto.

Os próprios neurônios ativados, quando o macaco pegava os amendoins, foram estimulados quando o macaco viu o pesquisador fazer a mesma coisa. Esses neurônios tinham, portanto, a capacidade de serem ativados para refletir as ações dos outros, bem como permitir o próprio comportamento.

Esta é uma descoberta importante. Pela primeira vez, nós entendemos os mecanismos do cérebro capazes de permitir ao indivíduo entender o comportamento dos outros. Em experimentos também realizados com sucesso em humanos, foi demonstrado, para entender a ação de outra pessoa, quando a observamos, ela ativa a mesma rede de neurônios similar à nossa quando nós mesmos executamos a ação semelhante.

O fato surpreendente é os neurônios-espelho serem diferenciados para o propósito de cada medida tomada. Neurônios ativados quando captamos algo são diferentes daqueles excitados quando seguramos ou derrubamos ou rasgamos algo, e assim por diante.

Por que é importante começar da descoberta dos neurônios-espelho para introduzir a questão da Neuroeconomia? Porque uma das funções cognitivas mais importantes do comportamento econômico é a tentativa de entender o que podemos esperar de outras pessoas. Na negociação, competição, cooperação e organização econômica, atuamos em relação ao pensado por nós a respeito de ações esperadas de outras pessoas. Nós tentamos entender o pensado por outras contrapartes (mindreading), entrando em seu modo de pensar, a fim de prever como eles vão agir.

E como fazemos isso? Pelas últimas pesquisas, fazemos isso espelhando a importância do comportamento de outras pessoas, ativando circuitos neuronais responsáveis ​​pelo nosso comportamento em uma ação de igual graduação (Rizzolatti, G., & Sinigaglia, C. (2006). So quel che fai. Il cervello che agisce e i neuroni a specchio. Milano: Cortina.).

Esse mecanismo de mindreading está no coração do pensamento econômico. O conceito de equilíbrio exige os agentes corretamente preverem o que outras pessoas vão fazer. O equilíbrio ocorre quando as ações dos diversos agentes econômicos se coordenam entre si e com a disponibilidade de recursos. Essa empatia é possível, tanto por construção de hipóteses sobre a mente de outras pessoas, quanto por aprendizagem dos processos com base na imitação. Esta parece ser causada pelo mesmo tipo de redes de neurônios-espelhos.

As descobertas neurocientíficas de hoje estão “abrindo a caixa-preta” da Economia Comportamental. Parece sermos capazes de desafiar o pessimismo demonstrado por Jevons, em 1871, quando expressou seu ceticismo sobre a possibilidade de medir os sentimentos determinantes do comportamento humano.

Esse é o objetivo de Neuroeconomia: usar as novas técnicas da Neurociência para identificar os mecanismos cerebrais responsáveis ​​pela violação ou confirmação da teoria tradicional da ação econômica. Desse ponto de vista, Neuroeconomia Comportamental e a Economia Cognitiva desenvolvem suas hipóteses em paralelo:

  • a análise psicológica do comportamento econômico nos permite identificar os erros ou os acertos confirmados da teoria econômica, e
  • a Neuroeconomia tenta corroborar ou refutar essas hipóteses, identificando os mecanismos cerebrais responsáveis ​​por elas.

Em sua relação com a explicação dos fenômenos econômicos, a abordagem neuroeconômica pode ser fraca ou forte.

Quando é fraca, está preparada para, gradualmente, reformar a teoria econômica padrão à luz das mudanças experimentais da investigação psicológica, confirmada por técnicas de análise neurocientífica. A abordagem fraca baseia-se em uma teoria dualista do problema mente-corpo. Sustenta a irredutibilidade da linguagem mental a uma Economia baseada em preferências, desejos e ações. Entre as línguas e os modelos do cérebro e da mente só pode haver coordenação, mas não identidade, ou, pior ainda, a eliminação das linguagens mentais, isto é, o vínculo direto entre o cérebro e as línguas.

O objetivo da abordagem forte, por sua vez, é reavaliar Economia com base em conceitos neurais. A teoria do problema mente-corpo, sustentáculo dessa posição, é a do tipo monista radical. Para isso, elimina qualquer referência a uma linguagem mental, herdada de um passado, quando havia ignorância a respeito de como o cérebro funciona. A única realidade causal do comportamento visível do homem é o sistema nervoso e os conceitos explicativos só podem derivar a partir dele.

Os neuroeconomistas (Camerer, C., Loewenstein, G., & Prelec, D. (2005). Neuroeconomics: How neuroscience can inform economics. Journal of Economic Literature, XLIII(1), 9–64) abraçam uma abordagem fraca ou incremental da Neuroeconomia, acima de tudo, embora às vezes pareçam desejar uma posição menos moderada de restabelecimento neuroeconômico das funções econômicas e seus conceitos.

Diferentemente da Economia Comportamental, os neuroeconomistas não pretendem se contrastar com a Teoria da Escolha Racional, mas desejam sim ampliar seus horizontes, levando em conta variáveis ​​consideradas não mensuráveis ​​pela Economia ortodoxa. Essa é a posição de Glimcher, P. W., & Rustichini, A. (2004. Neuroeconomics: The consilience of brain and decision. Science, 306, 447), de acordo com os quais o objetivo da Neuroeconomia é fornecer uma “explicação matemática, comportamental e mecanicista para escolhas”.

Para Neuroeconomia, o problema está em comprovar se a descoberta da base mecanicista, ou seja, a dos modelos causais cerebrais, “é capaz de melhorar a capacidade de explicar e prever escolhas, mantendo ao mesmo tempo a disciplina e continuando a empregar dados comportamentais”. O desafio da Neuroeconomia é, portanto, demonstrar ser possível identificar esta base mecanicista e mostrar ela aumentar nossa capacidade de explicar e prever.

Neurocognição e Comportamento Financeiro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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