domingo, 3 de março de 2019

Fundação da Teologia da Prosperidade

Max Gunther, no livro “Os muito, muito ricos e como eles conseguiram chegar lá” (tradução Jorge Ritter. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Best Business, 2015), conta: Horatio Alger não era um professor da fortuna não oferecia um curso por correio, hoje EaD pela internet. Seus livros não traziam títulos que continham palavras como: “O sistema do sucesso que” ou “Como alcançar”.

Horatio Alger foi, na realidade, o vovô de todos os professores de sucesso capitalista. Seu próprio nome é um clichê usado para descrever a ascensão de um homem humilde até a grande riqueza.

“Horatio Alger, Jr., nasceu em Rever, Massachusetts, em 1834. Seu pai era um reverendo unitarista e com certeza rigidamente carola. Ele pregou para o garoto sem parar, fez com que ele memorizasse praticamente a Bíblia inteira, deixou-o tão cheio de murmúrios religiosos a ponto de os garotos na escola chamavam-no de Santo Horatio”.

No entanto, enquanto metade do jovem Horatio estava lutando para obedecer e emular o pai devoto, a outra fervilhava com a típica rebelião da juventude. O resultado, à medida que ele se aproximou da idade adulta, foi uma personalidade dupla, do tipo bipolar.

Desde então, psicanalistas têm especulado se Alger era esquizofrênico. Quem sabe? Ele passou grande parte da vida adulta indo e voltando entre a devoção e altas folias. Em um ano ele seria o próprio modelo de seu pai clérigo: um homem amargo, severo e de olhar frio. Achava qualquer forma de divertimento ser contra a vontade de Deus. No ano seguinte, ele abruptamente se transformaria na versão do século XIX de um indivíduo sexualmente promíscuo— ou, como se dizia naqueles dias, um devasso libertino e degenerado.

“Primeiro ele foi para a Escola de Teologia, preparando-se obedientemente para o ministério (como seu pai queria). Alger se sustentava trabalhando como professor particular e vendendo artigos acadêmicos e motivadores para jornais e revistas. Após se formar, em vez de ser ordenado e ir trabalhar como reverendo, ele subitamente desapareceu e reapareceu em Paris. (Onde conseguiu o dinheiro? Ninguém sabe.) Ele fez o que jovens norte-americanos em Paris sempre fizeram: bebeu, jogou, manteve companhia com jovens damas pouco inibidas, dormiu até o meio-dia e geralmente desafiou a boa e velha ética protestante.

E, de maneira abrupta, ele retornou a Massachusetts com 30 anos, foi ordenado reverendo e pregou fervorosamente contra tudo o que havia terminado de fazer em Paris. Dois anos mais tarde, Alger largou o ministério, foi para Nova York e fez tudo aquilo antes condenado em púlpitos de igrejas em Massachusetts.”

Havia um lado generoso e de bom coração da psique dividida de Alger. Enquanto rondava as ruas de Nova York, questionando o próprio destino, ele começou a fazer perguntas a respeito de várias instituições de caridade estabelecidas para dar moradia, alimentação e educação para crianças moradoras de rua.

Alger criou o hábito de passar em uma dessas instituições sempre para conversar com alguém. Ficou amigo do superintendente, começou a fazer serviços variados pelo lugar — como ler histórias bíblicas e sobre outros assuntos para os garotos à noite, dar aulas particulares para alguns deles, pregar para eles — e terminou sendo uma espécie de faz-tudo intrometido e superintendente não pago. Enquanto isso, Alger estava ganhando seus parcos recursos como jornalista.

Certa noite, conversando com o superintendente do local, ele especulou sobre o que poderia vir a ser a vida de todos estes meninos de rua quando adultos. Eles se dariam todos mal? Ou alguns deles, talvez através da prece, da parcimônia, do esforço, da honestidade, da coragem, da perseverança e de outros atributos admirados da ética protestante, ascenderiam à riqueza material? Seria inconcebível um deles poder um dia vir a ser o presidente? Ou um grande comerciante? Ou…?

“Assim nasceram os famosos livros de Horatio Alger. O primeiro foi uma história chamada de Ragged Dick. Alger a vendeu para uma revista, e ela acabou sendo devorada igualmente por garotos e pais. Uma editora de Boston imediatamente encomendou com Alger mais livros sobre o mesmo personagem, seguindo o sobe e desce das aventuras de Dick desde a infância em um orfanato de uma cidade até se tornar um jovem adulto começando a vida nos negócios. Esta série foi seguida por dúzias mais. Alger seguiu sua carreira, escrevendo bem mais de cem livros, com aproximadamente 20 milhões de exemplares vendidos durante sua vida.

O sucesso impressionante dos livros de Alger é difícil de explicar hoje em dia. Todos seguiam essencialmente a mesma fórmula: um menino de rua triunfa sobre a adversidade aplicando as regras da Bíblia. Uma simples coincidência o ajuda em sua ascensão, mas a inferência é a de estes lances de sorte acontecerem para nosso jovem herói porque ele os merece: trabalha duro, reza muito, tem pensamentos puros.

Todo livro de sua autoria é o modelo perfeito da meninice americana honrada, corajosa, forte e com sangue nas veias, enquanto os vilões são uma agregação má, ardilosa e desprezível de patifes andando sorrateiramente um dia pelas ruas. O passatempo deles é fechar orfanatos.

Todo livro de Alger é assim. Quando você leu um, leu todos. No entanto, milhões de pessoas compraram um livro depois do outro.

Sociólogos, economistas e outros especularam desde então a respeito das razões por trás desta popularidade. Uma suposição provável é a de o tipo de história de superação da pobreza de Alger somente naquele momento (meados do século XIX) começou a parecer possível nos Estados Unidos.

Poucas vezes antes em toda a história do mundo existiu uma conjuntura de nação, sociedade e economia na qual massas de pessoas pobres e de classe média poderiam sonhar seriamente a respeito da possibilidade de ficarem ricas. Os holandeses aproveitaram uma conjuntura assim no início do século XVII, durante a revolução financeira. Mas a especulação reverteu o boomem crash– e perda de capital.

“Desde então, e através da maior parte da história antes disso, um homem nascido pobre não podia fazer muita coisa além de se resignar com seu destino. Se você nasce pobre, morre pobre: esta era a vontade de Deus. Lutar contra isso era inútil. Alguns indivíduos de sorte ficaram ricos, mas a porcentagem era tão pequena, e as probabilidades contra o homem médio, tão grandes, que sonhar com isso era considerado ridículo por todos”.

Mas agora, muito de repente, um novo lugar chamado Estados Unidos havia surgido. Por um século ou dois tinha sido um lugar vasto e vazio, pontilhado por vilarejos rurais. Seus habitantes eram pobres e não tinham chance alguma de se tornarem outra coisa. Porém, no início da Revolução Industrial, enquanto o resto do mundo não estava olhando, este país enorme no meio do nada havia se tornado um colosso econômico. E não apenas isso — havia se tornado o tipo de lugar no qual homens pobres podiam ficar ricos.

As pessoas chamavam esse lugar de “a “terra da oportunidade”. Até hoje a ideologia do “sonho norte-americano” é uma ideologia de coesão nacional dos Estados Unidos da América.

Entre os milhões de indivíduos presos à pobreza da Europa havia muitos, no fim do século XIX, a ponto de acreditar nas ruas de Nova York ou Boston poder se garimpar ouro. Obviamente, os Estados Unidos não eram tão ricos. Realmente, muitos dos imigrantes maltrapilhos imigrantes aos milhares no país com tamanha esperança não apenas fracassaram em ficar ricos, como ficaram ainda mais pobres. Porém, o sonho de ganhar uma fortuna foi realizado um número suficiente de vezes para se manter vivo.

Andrew Carnegie imigrou da Escócia, chegou a Nova York com menos de um dólar no bolso e evoluiu para tornar-se o fundador multimilionário da U.S. Steel. John D. Rockefeller, o magnata do petróleo, começou sua carreira como assistente escriturário mal pago e passando fome em um escritório de expedição de mercadorias de Cleveland. O pai de Joseph P. Kennedy fugiu da fome na Irlanda, desembarcou em Boston com a barriga vazia e completamente desprovido de qualquer ativo mundano, conseguiu com seu próprio esforço ascender para uma faixa de classe média e viu o filho tornar-se um multimilionário.

“Histórias da vida real faziam as lorotas de Horatio Alger parecerem críveis. As pessoas liam os livros dele para reforçar suas esperanças e seus sonhos. Alger estava dizendo: “Estão vendo? É isso que pode acontecer com as pessoas na América.”

Por séculos, as principais religiões do Ocidente estiveram tentando convencer as pessoas de a virtude ser a própria recompensa. Na realidade, a pobreza é preferível à riqueza, tendo em vista o dinheiro demais inevitavelmente levar à dissolução e à danação. O dinheiro era concebido para ser a raiz do mal. Um homem sábio não trabalhava pelo dinheiro, mas pelo trabalho em si. O trabalho era purificador. O suor era sagrado aos olhos do Senhor.

Alger entrara em cena com uma visão diferente. Ele sugeriu o dinheiro e Deus conviverem sem problemas. Pregou: “Deus recompensará a virtude com dinheiro. Para ficar rico, disse ele, tudo o que você precisa fazer é combinar a virtude com um certo grau de perspicácia básica nos negócios. O pagamento será em dinheiro.”

Era uma nova maneira magnífica de ver as coisas. Alger não era o criador dessa ideia evangélica da ética protestante, é claro, apenas um de seus principais porta-vozes. Os criadores eram os próprios empresários que estavam construindo o que viria a ser a maior potência econômica do mundo.

Homens como Rockefeller e J.P. Morgan sinceramente acreditavam o acúmulo de capital ser uma atividade correta, algo como a reza. Na realidade, alguns deles acreditavam ser guardiões divinamente apontados do dinheiro da nação. Graças ao caráter honrado deles, Deus os havia escolhido para serem grandes acumuladores de dinheiro. Era o trabalho deles cuidar deste dinheiro para o bem-estar de homens menos prudentes e menos virtuosos.

Alger, pregando esta nova religião financeira, assegurou a milhões de crentes devotos poderem ficar ricos simplesmente desenvolvendo os atributos estabelecidos na Bíblia. Juntava apenas mais algumas outras coisas como parcimônia, coragem ou disposição de assumir um risco de negócio, e perseverança. Estava fundada a Teologia da Prosperidade!

“O próprio Alger, no fim das contas, fracassou em aplicar a própria fórmula no que você poderia chamar de um sucesso incrível. Os direitos autorais de seus livros lhe proporcionaram uma renda formidável, mas ele nunca pareceu ter dominado a virtude da parcimônia. Parte do dinheiro foi gasto na forma de doações generosas para órfãos e crianças rejeitadas que Alger adotou extraoficialmente como filhos, dando-lhes tudo, exceto seu sobrenome.

O resto do dinheiro simplesmente desapareceu em consequência do bom e velho esbanjamento. Alger apreciou vinho e mulheres em Nova York, Paris, São Francisco e outros lugares pecaminosos, onde o dinheiro de um homem pode ser desperdiçado rapidamente. Por fim, velho e cansado, ele se arrastou de volta para a tranquilidade verde do interior de Massachusetts e se mudou para a casa da irmã, onde morreu em 1899, sem um tostão.”

Fundação da Teologia da Prosperidade publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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