terça-feira, 12 de março de 2019

Crise do Macroeconomista

Novamente, ao ler um texto do André Lara Resende (Valor – Eu&Fim-de-Semana, 08/03/2019), lamento ter economistas cuja formação ortodoxa impôs somente ler seus pares norte-americanos – e não colegas brasileiros. Leem e releem sempre as mesmas ideias. Quando divulgam ter achado uma ideia nova, é um espanto para os demais economistas eles não saberem daquilo sobejamente conhecido entre os heterodoxos há muito tempo. Senão, analisemos as “novidades” divulgadas por Resende.

Primeiro ponto, o doutor diagnostica: “a teoria macroeconômica está em crise”. Por que estaria em crise uma teoria abstrata, baseada no método dedutivo-racional? Tem um problema de contradição lógica imanente?

Resende ao justificar a crise usa o método histórico-indutivo. “A realidade, sobretudo a partir da crise financeira de 2008 nos países desenvolvidos, mostrou-se flagrantemente incompatível com a teoria convencionalmente aceita”. Ora, o mainstream não aceitou durante anos o “método de economia positiva” divulgado por Milton Friedman? Não importava o realismo das hipóteses se a teoria apresentasse resultados lógicos?

A “teoria convencionalmente aceita”, baseada em ideologia neoliberal, desde a Era Reagan-Thatcher, nos anos 80, pregava uma liberalização dos mercados. Ela, especialmente, recomendava uma desregulamentação financeira e, praticamente, uma omissão do papel de supervisão bancário por parte da Autoridade Monetária.

O “laissez-faire” chegou ao seu limite. Depois da bolha Nasdaq (ponto-com) nos anos 90, explodiu a bolha imobiliária em 2007 e, no ano seguinte, a excessiva alavancagem financeira dos bancos de investimentos, isto é, de negócios, norte-americanos. Então, a teoria convencional mostrou-se sim compatível: os neoliberais receitavam equívocos, com base em ideologia – e não ciência –, logo, colheram maus resultados.

Porém, Resende ignora a crítica heterodoxa ou desenvolvimentista realizada desde os anos 80. Reconhece apenas o escrito ou o dito em inglês. “O questionamento da ortodoxia começou com alguns focos de inconformismo na academia. Só́ depois de muita resistência e controvérsia, extravasou os limites das escolas”. Aqui, ele não dialoga com a Escola de Campinas e outras heterodoxas. A mídia brasileira boicota todo o pensamento econômico alternativo ao não o colocar em debate com a ortodoxia.

Arrogantemente, usando um anacrônico recurso de considerar os economistas brasileiros caipiras mal informados, mesmo quando a internet supera todas as fronteiras nacionais no acesso às informações, o neocolonizado diz: “embora ainda não tenha chegado ao Brasil, sempre a reboque, nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, [a nova macroeconomia] já está na política e na mídia”.

Ele reconhece, finalmente, o fracasso da pregação monetarista. Sua prática foi abandonada logo após a única experiência concreta, realizada com Volcker, em 1979, e a decorrente a crise sistêmica mundial. Seria brigar contra os fatos não perceber hoje a inflação estar abaixo das metas nas economias avançadas, mesmo depois de um extraordinário aumento da base monetária com a monetização maciça de títulos de dívida pública, acumulados durante o salvamento dos bancos de países avançados. O “afrouxamento monetário” enterrou de vez o monetarismo, ou melhor, jogou “a pá-de-cal”.

Resende acha um espanto a economia japonesa carregar “uma dívida pública acima de 200% do PIB, com juros próximos de zero, sem qualquer dificuldade para o seu refinanciamento”.  Ora, acima de rentabilidade e liquidez, em crise, os investidores almejam segurança, isto é, risco soberano para não perder o dinheiro acumulado em outras atividades.

“[A nova macroeconomia] ajuda a explicar o rápido crescimento da economia chinesa, liderado por um extraordinário nível de investimento público e com alto endividamento”. Na realidade, o capitalismo de Estado com bancos públicos dominantes no sistema financeiro chinês oferece risco soberano aos investidores para captar o funding e lastrear a alavancagem financeira. Planejamento da expansão da infraestrutura e financiamento imobiliário para atender à migração campo-cidade explicam muito mais em lugar da “nova macroeconomia”. No velho mundo ocidental, esses instrumentos de política econômica em longo prazo foram abandonados desde o início da Era Neoliberal nos anos 80.

Mas o cume da escalada esquizofrênica de Resende é alcançado quando não percebe não haver uma dissociação entre a ação e o pensamento neoliberal. Diz: “em relação à economia brasileira, [a nova macroeconomia] dá uma resposta à pergunta que, há mais de duas décadas, causa perplexidade: como explicar que o país seja incapaz de crescer de forma sustentada e continue estagnado, sem ganhos de produtividade, há mais de três décadas?” Simples, há mais de três décadas seus colegas neoliberais agem no Banco Central do Brasil! Abatem na decolagem qualquer tentativa de curto voo-de-galinha!

Resende pretende “apenas estimular o leitor a refletir e a procurar se informar sobre a verdadeira revolução que está em curso na macroeconomia. É da mais alta relevância para compreender as razões da estagnação da economia brasileira. Na literatura econômica fala-se numa armadilha da renda média, constituída por forças que impediriam, uma vez superado o subdesenvolvimento, que se chegue finalmente ao Primeiro Mundo. Há razões para crer que não se trata de uma armadilha objetiva, mas sim conceitual”.

Discordo. O neoliberalismo se capturou sim em uma armadilha objetiva por pura ideologia – e não por conceitos teóricos. Ao focalizar apenas o desmanche do Estado através de privatizações, o ataque aos supostos privilégios dos tecnocratas através da reforma da Previdência Social, o ajuste fiscal com base em austeridade nos gastos públicos e a inanição dos bancos públicos, não apresenta nenhum projeto de desenvolvimento para a retomada do crescimento sustentado de renda e emprego.

Na verdade, não é uma questão teórica o que está em jogo, mas sim de decisões práticas de política econômica fundamentadas em pura ideologia. Os próceres da economia ocidental têm ainda fé no “laissez-faire” do século XVIII, ou seja, no pressuposto automatismo de um mercado liberalizado no sentido de um equilíbrio sem desemprego. Os dirigentes da economia asiática praticam um capitalismo de Estado e obtém melhores resultados objetivos.

Veja o vídeo abaixo:

Crise do Macroeconomista publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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