Os valores em cada um dos andares da pirâmide (com o percentual de brasileiros em cada um deles) mostram a renda familiar, não individual. O quadro revela, por exemplo, quase dois terços (64%) dos brasileiros viverem em famílias que passam o mês com menos de R$ 2.994 – o que dá, na melhor das hipóteses, um salário mínimo por cabeça, considerando a média de três indivíduos por família no país. Na base da pirâmide, 42% vivem com menos de R$ 665 per capita. O valor familiar de R$ 1.996 é o teto de ganhos nesse segmento.
Os 20% mais ricos do país ficam com 40,6% do dinheiro pago pela Previdência a seus beneficiários. Na outra ponta, os 20% mais pobres levam apenas 3,3% do total. Grande parte da distorção é provocada pelas aposentadorias do setor público, onde os trabalhadores já ganham mais na ativa – cerca de 60% mais, na comparação entre os salários médios nos Executivos federal, estaduais e municipais e os da iniciativa privada, colocando o funcionalismo na parte superior da pirâmide.
Se a pirâmide acima já é suficientemente deprimente ao mostrar a renda dos ocupados, é bom lembrar haver ainda 12 milhões de desempregados e 27 milhões de subutilizados. Estes, se pudessem, trabalhariam mais para ganhar mais.
Thais Carrança (Valor, 07/02/19) informa: o peso da renda dos pais sobre a renda dos filhos diminuiu no Brasil entre 1996 e 2014, um sinal de avanço da mobilidade social. Essa melhora foi possível graças à redução da diferença educacional entre pobres e ricos depois das décadas de 1980 e 1990, aponta estudo de Daniel Duque, mestrando em economia pela UFRJ e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Para o especialista, porém, para a desigualdade de oportunidades continuar a cair, problemas como a evasão escolar no ensino médio e o acesso ao ensino superior precisam ser atacados.
O levantamento foi possível porque, em 1996 e 2014, foram incluídos dois suplementos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em que as pessoas respondiam a escolaridade e ocupação dos seus pais quando os entrevistados tinham 15 anos. De posse dos dados, o pesquisador conseguiu chegar à renda paterna e avaliar o quanto ela determinou o rendimento dos filhos.
A desigualdade de oportunidades é o quanto as pessoas são desiguais por fatores que elas não escolheram. A desigualdade total é uma combinação de desigualdade de oportunidades e desigualdade de escolhas, que determinam que as pessoas tenham maior ou menor renda. Quanto maior a influência da renda dos pais sobre a renda dos filhos, isso mostra uma sociedade com baixa mobilidade social, em que a ‘loteria da vida’ importa muito.
Considerando as duas gerações de pais e filhos investigadas, o economista calculou que a persistência intergeracional de renda em 1996 era de 75%. Em outras palavras, a cada 1% de renda acima da média dos pais, a renda do filho – chefes de família na casa dos 30 a 40 anos, conforme o recorte escolhido – era 0,75% acima da média da sua geração.
Dezoito anos mais tarde, em 2014, essa persistência caiu 20 pontos percentuais, para cerca de 55%. “Imagine que, na década de 1990, a renda média dos homens adultos era de R$ 1 mil. Se, 20 anos depois, a renda média tiver permanecido igual em termos reais, os filhos daqueles que ganhavam R$ 1,5 mil na década de 1990 (50% acima da média) vão ter renda esperada de R$ 1,225 mil”, exemplifica Duque.
Segundo o pesquisador, há dois fatores que explicam essa queda da influência de renda entre gerações de 1996 para 2014.
O primeiro deles é o aumento da provisão de educação pública após as décadas de 1980 e 1990. Ela fez com que a educação dos filhos dependesse muito menos da educação dos pais, como era no passado. Assim, filhos de pais pobres puderam ter mais educação do que estes, ascendendo na vida.
O segundo fator foi a redução entre gerações dos chamados “retornos da educação”, o quanto a mais de salário se ganha por cada ano adicional de estudo. Em 1977, esse retorno era de 11,6%, caindo a 10,1% na década de 1990 e a 8,3% em 2014. Esses percentuais representam o crescimento esperado da renda a cada ano a mais de formação escolar.
Essa redução dos retornos da educação aconteceu em primeiro lugar devido ao aumento da escolaridade da população brasileira. Com maior número de trabalhadores qualificados, a recompensa do mercado por essa qualificação diminui. Além disso, com o superciclo da commodities, houve um maior prêmio ao trabalho não qualificado.
Por subdivisões da população, a queda da persistência intergeracional de renda foi ainda mais acentuada entre mulheres negras e entre famílias pobres. “As mulheres negras já tinham menor associação de renda que os homens negros em 1996. Há uma explicação de gênero: as mulheres estudam mais do que os homens, então comparada à educação dos pais, a instrução da mulher será maior”, explica.
Com relação à desigualdade, analisando o índice de Gini (medida de iniquidade que varia de zero a 1, sendo zero a igualdade perfeita), Duque encontrou que, em 1996, cerca de 60% do Gini da renda dos filhos era explicado pela renda dos pais. Em 2014, esse índice recuou a 30%. “Isso é algo como um cálculo do quanto a desigualdade brasileira se explica pela desigualdade de oportunidades“, resume Duque.
Conforme o economista, houve um avanço significativo da educação pública, principalmente nos anos iniciais da escola, que foi o fator mais relevante para o aumento da mobilidade de renda no Brasil. Hoje em dia, os filhos de famílias pobres conseguem no mínimo completar o ensino fundamental. Isso já é um grande avanço em relação a 20 ou 30 anos atrás, quando filhos de pais pouco escolarizados ficavam pouco escolarizados.
A desigualdade educacional entre filhos de famílias pobres e ricas, no entanto, volta a se mostrar na adolescência. A partir dos 14 ou 15 anos, no 9o ano escolar ou no ensino médio, cresce a taxa de evasão escolar entre os mais pobres. Outro gargalo é o ensino superior.
Ainda há um efeito inercial de aumento da mobilidade dos filhos de famílias pobres, porque eles ainda têm pais pouco escolarizados. Mas, no futuro, com a volta da Velha Matriz Neoliberal, essas pessoas que estão completando o ensino fundamental vão começar a ter filhos e, se tudo seguir como está, os filhos deles vão continuar não completando o ensino médio. Assim, haverá no futuro uma redução da mobilidade educacional das famílias mais pobres e, com isso, um aumento da persistência de renda entre gerações.
O país precisa olhar para os adolescentes entre 14 e 17 anos de famílias mais pobres, criando políticas públicas para que a evasão escolar entre eles se reduza. Posteriormente, será preciso também aumentar o acesso ao ensino superior. Volta PT!
Avanço da Mobilidade Social na Era Social-Desenvolvimentista (2003-2014) publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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