Valor adicionado é o agregado pelo trabalho aos bens e serviços consumidos no seu processo produtivo. É a contribuição ao Produto Interno Bruto pelas diversas atividades econômicas, obtida pela diferença entre o valor de produção e o consumo intermediário absorvido por essas atividades.
O processo produtivo gera emprego e, em consequência, remuneração dos empregados. São despesas efetuadas pelos empregadores (salários mais contribuições sociais efetivas) em contrapartida do trabalho realizado.
Além dessa renda do trabalho, há a possibilidade de obtenção de renda de propriedade em uma economia capitalista. É renda recebida pelo proprietário de um ativo financeiro, ou de um ativo tangível não produzido, como terrenos arrendados, ou de um ativo imobiliário produzido, adquirido e alugado.
Ativos são formas de manutenção de riqueza. Ações, por exemplo, certificam seus possuidores serem os proprietários de certas frações de determinada empresa. Representam direitos em relação aos rendimentos. Os financeiros dão direito ao seu detentor (credor) de receber um pagamento de outra unidade (devedor) em certas circunstâncias especificadas entre eles por contrato de empréstimo ou endividamento.
Alavancagem financeira é termo usado para designar a obtenção de recursos de terceiros para realizar operações em maior escala. Significa a relação entre endividamento de longo prazo e o capital empregado por uma empresa. Quando o maior grau de alavancagem propicia uma rentabilidade patrimonial com uso de capital de terceiros, descontados os custos com juros, superior à obtida caso se utilizasse apenas o capital próprio, vale a pena do endividamento. Este é o segredo do negócio capitalista: trabalhar com capital de terceiros, ganhar mercado e multiplicar lucros!
Em uma economia de endividamento como é historicamente a brasileira, a queda da relação saldo de crédito total / PIB de 58,9% em dezembro de 2014 para 46,8% em novembro de 2018 revela um efeito retroalimentação negativo. Cai o PIB pela queda do crédito concedido e a depressão agrava a diminuição de demanda por crédito. No caso de empréstimos, não existe oferta efetiva (e a não potencial) sem a demanda.
As revisões das variações do Produto Interno Bruto (PIB) de 2016, anunciadas pelo IBGE, reduziram a magnitude da retração da economia nos 11 trimestres de recessão, de 8,6% para 8,2%. O PIB do ano de 2016 foi revisto de uma queda de 3,6% para recuo de 3,5%. Conforme definido pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE) da FGV, a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 terminou no quarto trimestre de 2016. Antes, segundo este comitê, a retração do PIB no período tinha sido de 8,6%. Com as revisões anunciadas, a retração passou a 8,2%, abaixo da retração de 8,5% acumulada na recessão de 1981 a 1983, então, “a maior da história”. Em 2017, o PIB cresceu apenas 1%. Não houve uma retomada do crescimento da renda de forma sustentada.
Nesse quadro econômico com valor agregado praticamente estagnado, não há criação de ativos novos em ritmo capaz de geração de novos empregos e rendimentos para elevar a demanda efetiva em consumo e investimento. A taxa de desemprego no Brasil estava em 11,6% no trimestre encerrado em novembro de 2018. A diminuta queda foi influenciada mais uma vez pelo crescimento do trabalho informal e dos brasileiros atuantes por conta própria. Um ano antes, a desocupação era de 12%. Em termos de contingente, o desemprego ainda atingia 12,2 milhões de brasileiros.
Apesar dessa desolação, as cotações sobem. O Ibovespa subia 9,3% até a terceira semana de janeiro de 2018, atingindo o inédito patamar de 96.096 pontos. A pergunta feita por muitos é: está ainda na hora de estar posicionado na renda variável?
Um físico, transplantando a 1ª Lei de Newton (Lei da Inércia) para uma análise técnica ou grafista, diria: a tendência do movimento das cotações, quando nenhuma força é exercida sobre elas, é permanecer em seu estado natural, ou seja, movimento retilíneo e uniforme. Um economista, analisando os fundamentos microeconômicos ou empresariais, setoriais e macroeconômicos, diria: para quem deseja especular, apostando na expansão do regime de capitalização como Previdência Complementar, devido ao corte de direitos trabalhistas, o cenário é de aposta em risco. Para quem tem aversão ao risco, o momento é de prudência, porque os fundamentos internos (e o cenário externo com Trump) não justificariam abandonar a renda fixa acima da inflação.
Em 2018, os três índices da bolsa de valores de Nova York (Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq Composto) registraram o pior ano em uma década. Ao longo de 2018, o Dow cedeu 5,63%, o S&P 500 caiu 6,24%, enquanto o Nasdaq perdeu 3,88%. Em contraste, a Bolsa brasileira encerrou 2018 com valorização de 15,03%, registrando o terceiro ano consecutivo de alta. Em 2017, o principal índice da Bolsa brasileira subiu 26,86% e, em 2016, ganhou 38,93%. Em 2015, a Bolsa perdeu 13,31%.
Dentro de contexto, os Chicago’s Oldies, novamente prestando serviço militar, pretendem repetir a experiência (fracassada em longo prazo) de quando eram Chicago’s Boys prestando serviço à ditadura sanguinolenta do general Pinochet no Chile. No curto prazo, há uma ilusão de enriquecimento. Quem já está posicionado em ações vê um “milagre econômico”: a concentração de riqueza fácil, devido ao choque de demanda por ativos existentes. Dedutivamente, as cotações disparam. Mas, em longo prazo, as forças dos fundamentos (ou algum choque externo) revertem as expectativas otimistas. Pior se isso ocorrer na véspera ou durante a aposentadoria. Não à toa, o Chile apresenta o maior índice de suicídios de idosos acima de 70 anos do mundo!
Aqui, com a economia produtiva (“real”) praticamente estagnada, os neoliberais desejam fazer a transição de uma economia de endividamento para uma economia de mercado de capitais “na marra”. A oferta de ativos existentes está dada, em vez de criação de ativos novos, há apenas a improdutiva troca de propriedades privadas. Não gera nem renda nem empregos novos. Em um “jogo de perde-e-ganha”, insidersantes da alta bem posicionados em ações podem as revender antes da baixa, realizando seu ganho de capital e confirmando seu enriquecimento à custa de outsiders,iludidos pela “sorte de iniciante”: entrar durante o ciclo de alta das ações já desencadeado.
Há apenas 341 companhias com ações negociadas na bolsa de valores brasileira, mesmo número de 2006 – um dos menores da série iniciada em 1996 com 550 listadas. A Índia tem mais de 6 mil empresas no mercado acionário e na China, 2,5 mil. O valor de mercado em 2018 das empresas daqui alcançava R$ 3,5 trilhões (47,6% do PIB) quando, em 2007, mais de 400 empresas listadas chegaram a valer cerca de R$ 5 trilhões.
As 740 mil PF investidoras em ações possuíam, no fim de setembro de 2018, R$ 183 bilhões em valor de mercado da Bovespa. Em média per capita, equivalia a R$ 247.589,70. O total do varejo, inclusive depósitos de poupança, atingia R$ 1,741 trilhão: quase dez vezes o valor das ações de PF. Também em ações havia uma elevada concentração por faixa etária, porque 107 mil acionistas maiores de 65 anos eram 14% do total, mas possuíam quase 44% do valor de mercado.
Na primeira semana de novembro de 2018, Pessoas Físicas representavam 20% do volume total de compras e vendas na Bovespa. Os maiores investidores eram estrangeiros (50%) e institucionais (25%). O segmento de instituições financeiras só representava 4,5%. Pessoas Jurídicas não financeiras tinham menos de 1% de participação. O indicador de referência do mercado, o Ibovespa, acompanha só 67 ações. As da Petrobras, da Vale e dos bancos Bradesco e Itaú Unibanco concentram 43% do Ibovespa. Por tudo isso, enfrenta oscilações bruscas, marcadas por instabilidade.
Para examinarmos a complexidade determinante do ciclo de ações podemos utilizar o Modelo de Dois-Preços de Hyman Minsky. O preço de demanda deriva-se da relação entre a demanda e a oferta de ações existentes, sendo esta oferta um estoque dado, em curto prazo, e a demanda sendo uma função das expectativas de múltiplas subjetividades em relação aos dividendos e ganhos de capital esperados das ações. O preço de oferta é a soma dos custos primários na produção dos ativos novos e uma margem de lucro. Aquele preço é subjetivo, este é objetivo.
Quando o preço de demanda é maior, se comparado ao preço de oferta, compensa investir em ativos novos. Se a oferta de crédito cresce mais em relação ao aumento da produção e da entrega de ativos, sinaliza a elevação do valor de mercado no mercado secundário. Consequentemente, eleva a margem de garantia com alienação fiduciária oferecida pelo devedor. Solicitação de menor margem de segurança retroalimenta nova expansão da oferta do crédito. Com o aumento da demanda por ativos, face a uma oferta dada, o resultado é uma inflação nesses ativos, ou seja, boom em seus preços.
O ganho de capital pelo aumento do valor de mercado do existente torna-se maior face à rentabilidade esperada da produção de novo. Caso a inflação de ativos contamine as demais formas de manutenção de riqueza, inclusive a financeira, elevando os juros de mercado, o custo do serviço da dívida pode se tornar superior à rentabilidade esperada, agravando-se a fragilidade financeira do devedor. Ele buscava maior rentabilidade patrimonial via alavancagem com recursos de terceiros. O boom reverte para o crash.
Os maus fundamentos acabam impondo a realidade. Revertem a especulação.
Publicado originalmente em: https://jornalggn.com.br/noticia/valor-adicionado-estagnado-e-valor-apropriado-concentrado-por-fernando-nogueira-da-costa
Valor Adicionado Estagnado e Valor Apropriado Concentrado publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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