Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no livro “Como as democracias morrem” (Rio de Janeiro: Zahar; 2018), dizem: “tendemos a pensar na morte de democracias: nas mãos de homens armados. Durante a Guerra Fria, golpes de Estado foram responsáveis por quase três em cada quatro colapsos democráticos. As democracias em países como Argentina, Brasil, Gana, Grécia, Guatemala, Nigéria, Paquistão, Peru, República Dominicana, Tailândia, Turquia e Uruguai morreram dessa maneira. Mais recentemente, golpes militares derrubaram o presidente egípcio Mohamed Morsi em 2013 e a primeira-ministra tailandesa Yingluck Shinawatra em 2014. Em todos esses casos, a democracia se desfez de maneira espetacular, através do poder e da coerção militares.
Porém, há outra maneira de arruinar uma democracia. É menos dramática, mas igualmente destrutiva. Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos – presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder. Alguns desses líderes desmantelam a democracia rapidamente, como fez Hitler na sequência do incêndio do Reichstag em 1933 na Alemanha. Com mais frequência, porém, as democracias decaem aos poucos, em etapas que mal chegam a ser visíveis.
Na Venezuela, por exemplo, Hugo Chávez era um outsider político. Esse militar atacava o que ele caracterizava como uma elite governante corrupta, prometendo construir uma democracia mais “autêntica”.
Foi somente em 2003 quando Chávez deu seus primeiros passos claros rumo ao autoritarismo. Quando Chávez, então morrendo de câncer, foi reeleito em 2012, a disputa foi livre, mas não justa: o chavismo controlava grande parte da mídia e desdobrou a vasta máquina do governo em seu favor.
A Venezuela foi amplamente reconhecida como uma autocracia. É um regime político onde as leis e decisões são baseadas nas convicções do governante. Na autocracia, o poder do líder é absoluto e ilimitado. Logo, o governo acaba por ter suas políticas confundidas com as ações pessoais do autocrata, como uma personalizaçao do poder.
Desse modo, as democracias morrem agora. A ditadura ostensiva – sob a forma de fascismo, comunismo ou domínio militar – desapareceu em grande parte do mundo. Golpes militares e outras tomadas violentas do poder são raros. A maioria dos países realiza eleições regulares.
Democracias ainda morrem, mas por meios diferentes. Desde o final da Guerra Fria, a maior parte dos colapsos democráticos não foi causada por generais e soldados, mas pelos próprios governos eleitos. Como Chávez na Venezuela, líderes eleitos subverteram as instituições democráticas em países como Geórgia, Hungria, Nicarágua, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, Sri Lanka, Turquia, Ucrânia – e Brasil em 2018. O retrocesso democrático hoje começa nas urnas.
A via eleitoral para o colapso é perigosamente enganosa. Com um golpe de Estado clássico, como no Chile de Pinochet, a morte da democracia é imediata e evidente para todos. O palácio presidencial arde em chamas. O presidente é morto, aprisionado ou exilado. A Constituição é suspensa ou abandonada.
Na via eleitoral, nenhuma dessas coisas acontece. Não há tanques nas ruas. Constituições e outras instituições nominalmente democráticas restam vigentes. As pessoas ainda votam. Autocratas eleitos mantêm um verniz de democracia enquanto corroem a sua essência.
Muitos esforços do governo para subverter a democracia são “legais”, no sentido de que são aprovados pelo Legislativo ou aceitos pelos tribunais. Eles podem até mesmo ser retratados como esforços para aperfeiçoar a democracia – tornar o Judiciário mais eficiente, combater a corrupção ou limpar o processo eleitoral. Os jornais continuam a ser publicados, mas são comprados ou intimidados e levados a se autocensurar. Os cidadãos continuam a criticar o governo, mas muitas vezes se veem envolvidos em problemas com impostos ou outras questões legais.
Isso cria perplexidade e confusão nas pessoas. Elas não compreendem imediatamente o que está acontecendo. Muitos continuam a acreditar que estão vivendo sob uma democracia.
“Como não há um momento único – nenhum golpe, declaração de lei marcial ou suspensão da Constituição – em que o regime obviamente ‘ultrapassa o limite’ para a ditadura, nada é capaz de disparar os dispositivos de alarme da sociedade. Aqueles que denunciam os abusos do governo podem ser descartados como exagerados ou falsos alarmistas. A erosão da democracia é, para muitos, quase imperceptível”.
Estudar crises em outras democracias permite uma melhor compreensão dos desafios enfrentados pela própria democracia americana. Com base na experiência histórica de outras nações, por exemplo, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt foram capazes de conceber uma prova dos nove para ajudar a identificar potenciais autocratas antes de eles chegarem ao poder.
Nós podemos aprender com os erros cometidos por líderes democráticos do passado ao abrirem a porta para intenções autoritárias, mas também com as estratégias usadas por outras democracias para manter os extremistas fora do poder. Uma abordagem comparativa também revela como autocratas eleitos em diferentes partes do mundo empregam estratégias notavelmente semelhantes para subverter as instituições democráticas.
Demagogos extremistas surgem de tempos em tempos em todas as sociedades, mesmo em democracias saudáveis. O teste essencial para a democracia não é se essas figuras surgem, mas, antes de tudo, se líderes políticos e especialmente os partidos políticos trabalham para evitar eles acumularem poder– mantendo-os fora das chapas eleitorais dos partidos estabelecidos, recusando-se a endossar ou a se alinhar com eles e, quando necessário, juntando forças com rivais para apoiar candidatos democráticos.
Isolar extremistas populares exige coragem política. Quando o medo, o oportunismo ou erros de cálculo levam partidos estabelecidos a trazerem extremistas para as correntes dominantes, a democracia está em perigo.
Se um aspirante a ditador consegue chegar ao poder, a democracia enfrenta um segundo teste crucial: irá ele subverter as instituições democráticas ou ser constrangido por elas?
As instituições isoladamente não são o bastante para conter autocratas eleitos. Constituições têm que ser defendidas – por partidos políticos e cidadãos organizados, mas também por normas democráticas. Sem normas robustas, os freios e contrapesos constitucionais não servem como os bastiões da democracia que nós imaginamos que eles sejam. As instituições se tornam armas políticas, brandidas violentamente por aqueles que as controlam contra aqueles que não as controlam.
Desse modo os autocratas eleitos subvertem a democracia – aparelhando tribunais e outras agências neutras e usando-os como armas, comprando a mídia e o setor privado (ou intimidando-os para que se calem) e reescrevendo as regras da política para mudar o mando de campo e virar o jogo contra os oponentes. O paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismoé os assassinos da democracia usarem as próprias instituições da democracia – gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la.
Outra Maneira de Arruinar uma Democracia além do Golpe Militar: Eleição de Membro da Casta dos Militares publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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