Ana Conceição (Valor, 02/01/19) avalia: depois da história de frustração em 2018, a indústria deve registrar alguma recuperação em 2019, influenciada pela retomada da economia em geral. Mas o crescimento previsto por analistas, em torno de 3%, ainda é modesto diante do desempenho ruim dos últimos anos. Em outubro de 2018, último dado disponível, a produção estava 16% abaixo de seu ponto mais alto, em maio de 2011.
Embora tenha saído do “fundo do poço”, o setor ainda vai enfrentar um cenário difícil no ano que vem.
- No front interno, embora se espere um aumento no consumo das famílias, o desemprego deve se manter muito alto, limitando grandes avanços de produção.
- No cenário externo, a crise na Argentina, importante mercado para a produção da indústria brasileira, e a provável desaceleração da economia mundial podem enfraquecer as exportações. As vendas de veículos para o país vizinho, por exemplo, caem há meses.
Em 2019 a CNI estima crescimento de 3% no PIB industrial no período e uma alta de 2,7% no PIB.
Depois de voltar ao positivo em 2017 (crescimento de 2,1%), após três anos de perdas em 2014 (-3%), 2015 (-8,3%) e 2016 (-6,4%), esperava-se um desempenho mais robusto da indústria em 2018. Vários fatores impediram um avanço maior:
- a piora das condições financeiras no primeiro trimestre,
- a greve dos caminhoneiros em maio,
- as incertezas eleitorais no segundo semestre.
No acumulado até outubro de 2018, a indústria cresceu menos (1,8%) que em 2017 (2,1%).
Outro dado mostra a desaceleração do processo de recuperação do setor em 2018: a ociosidade. De acordo com informações da CNI, em outubro – dado mais recente – a utilização da capacidade instalada (UCI) era menor em oito de 19 segmentos da indústria de transformação, na comparação com o mesmo período de 2017. Em outubro de 2017, a UCI era menor apenas em três segmentos, em relação a outubro do ano anterior. Alimentos, bebidas, móveis, vestuário são alguns em que a ociosidade está maior que em 2017.
“A indústria vem perdendo quase metade de seu dinamismo a cada seis meses. Isso não é pouco e aponta para um quadro mais de prostração do que de recuperação industrial“, diz o IEDI em estudo recente.
Na divisão por categorias econômicas, bens duráveis e de capital exibem números melhores, mas porque partem de uma base de comparação muito baixa. Mas a produção de bens de capital para a própria indústria tem caído (-0,2% no primeiro semestre e -0,7% entre julho e outubro) na comparação com 2017.
Enquanto isso, a produção de bens intermediários, que é o cerne da produção industrial, vai mal e reflete a perda de dinamismo do setor em geral. “No segundo semestre de 2018, as quedas mais fortes vêm de intermediários para setores alimentícios e têxteis, mas também perderam muito ritmo aqueles para indústria automobilística”, anota a análise do Iedi.
A produção de intermediários cresceu apenas 0,5% no período de julho a outubro, sobre o mesmo período do ano anterior, um ritmo que é um sexto dos 3% registrados na segunda metade de 2017.
Na categoria mais dependente de renda e emprego – a de bens de consumo semi e não duráveis -, a queda é de 0,2% no período de julho a outubro sobre o mesmo período de 2017. A queda das exportações de vestuário, calçados, bebidas e alimentos também contribuiu para esse desempenho.
Com o ano difícil, a intenção de investimento da indústria está abaixo da média histórica, de acordo com recente levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV). O indicador que mede essa propensão estava em 117 pontos no quarto trimestre, ante uma média histórica de 127. Cerca de 30% dos industriais pretendem elevar os investimentos nos próximos 12 meses, ante 26,5% no mesmo período do ano passado. Os que pretendem diminuir, contudo, subiram de 10,6% para 13,3%. Outros 56% veem estabilidade no investimento, ante 62,8% no ano passado.
Sobre investimentos em infraestrutura, Jorge Arbache (Valor, 10/01/19) alerta com o seguinte artigo.
“O gigantesco hiato nos indicadores econômicos e sociais entre países da América Latina e países industrializados se deve, em parte, às debilidades da infraestrutura. O FMI estima que o estoque de capitais públicos per capita na região é de cerca de um quinto daquele na América do Norte, por exemplo. Dificuldades de financiamento e de implementação e operação de projetos, problemas de governança e escolha de projetos pouco promissores ajudam a explicar os baixos investimentos em infraestrutura.
Se já não bastassem os desafios de infraestrutura acumulados, a região também tem que mirar em desafios novos associados às mudanças climáticas e demográficas, crescente urbanização e infraestruturas do futuro, como o 5G e cidades inteligentes. Trata-se de uma agenda difícil de ser atendida a curto e médio prazos e cuja magnitude e urgência requerem muitos recursos e coordenação.
Os governos são os tradicionais investidores e operadores de infraestrutura na região. Porém, vários deles enfrentam elevados endividamentos e ajustes fiscais que constrangem a sua capacidade operacional e financeira para seguirem investindo e os bancos públicos têm limitações para financiar as infraestruturas nos montantes requeridos. Para avançarmos, será preciso ampliar o leque de alternativas.
A principal alternativa é a maior participação do setor privado no financiamento, implementação e operação de infraestruturas. Mas a participação do setor privado tem sido de apenas uma fração do seu potencial e, a se manter tudo como está, é improvável que aumente de forma significativa no futuro próximo.
Isto porque existem barreiras para se financiar infraestruturas, em especial para o setor privado, em razão de:
- a elevada percepção de riscos,
- a regulação bancária,
- o limitado nível de desenvolvimento do setor financeiro,
- a modesta escala do mercado de capitais e
- as dificuldades para se identificar e mitigar riscos e internalizar externalidades.
Como resultado, projetos importantes têm dificuldades de financiamento, de atração de investidores e de mobilização de recursos a prazos e custos suportáveis pelos projetos. Esse quadro afeta desproporcionalmente projetos mais estruturantes, que são os que mais fazem falta à região. A despeito das dificuldades, muito pode ser feito.
Uma medida que pode contribuir é a criação de uma carteira de projetos, que seriam reembolsáveis por quem ganha a concessão. De fato, projetos bem estudados são mais atrativos por reduzirem riscos e incertezas e aumentarem a previsibilidade e os impactos.
Outra medida são aquelas que otimizam os investimentos e potencializam os retornos. Ou seja, é preciso mais planejamento. Como não é possível atacar em todas as frentes ao mesmo tempo, é preciso priorizar investimentos que:
- tenham maiores retornos privados e sociais,
- mais agreguem valor,
- diversifiquem investimentos,
- promovam sinergias e complementariedades produtivas e
- tenham maior viabilidade de implantação e operação.
Países com elevada escassez de investimentos não podem se dar ao luxo de investir em projetos de retorno duvidoso, fragmentados e pouco sustentáveis. A experiência internacional sugere que o ideal é que:
- o planejamento seja integrado e
- esteja a cargo de agências públicas que se orientem pelos interesses de longo prazo do país.
Estímulo à formação de poupanças privadas domésticas de longo prazo e atração de recursos internacionais para projetos de infraestrutura são outras poderosas medidas.
Por certo, sequenciamento de reformas, organização das finanças públicas e desenvolvimento institucional são elementos importantes por criarem ambiente macro e micro adequados e por aumentarem a resiliência financeira, fatores críticos à mobilização de investimentos de longo prazo. Mas também contribuem:
- medidas de modernização regulatória e de segurança jurídica,
- mudanças que estimulem os investidores institucionais a alocarem mais recursos em infraestrutura e
- medidas de ampliação e sofisticação do mercado de capitais e de integração dos mercados de capitais da região.
Divisão de trabalho entre governo e setor privado também é uma dimensão importante, em especial para projetos complexos, com elevados riscos regulatórios, que tenham riscos de difícil identificação e mensuração e que dependem de muita coordenação. Projetos com essas características requerem engenharias financeiras tão complexas que, na prática, não se viabilizam. Nesses casos, os governos deveriam cuidar da montagem e desenvolvimento dos projetos e concedê-los à iniciativa privada.
Os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD) também podem contribuir. Para além de proverem recursos de médio e longo prazos a custos atrativos e de oferecerem benefícios reputacionais, os BMDs podem apoiar na originação e formação de carteiras de projetos e usar a sua expertise técnica e regulatória e experiência internacional para apoiar os governos no planejamento das infraestruturas.
Os BMDs também estão preparados para apoiar na implantação de melhores práticas, desenvolvimento de capacidades e melhorias do ambiente de negócios. Podem, ainda,
- oferecer instrumentos financeiros e classes de ativos que tragam maior segurança e diversificação do risco para o investidor,
- exercer papel catalítico com financiamentos sindicalizados e subordinados, garantias parciais de primeiras perdas e participações patrimoniais e
- apoiar na criação de veículos especiais e fundos que alavanquem recursos privados para a infraestrutura.
- ser instrumentais para a convergência de padrões técnicos e regulatórios e para investimentos em infraestruturas de interesse bi ou plurinacional.
Esses esforços contribuirão para melhorar as condições de mobilização de recursos privados para a infraestrutura, o que será fundamental para o crescimento econômico sustentado e para os indicadores sociais. Só com infraestrutura não se vai longe. Mas sem ela não se vai a lugar algum.”
O fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para o Brasil diminuiu 12% e fechou em US$ 59 bihões em 2018. Com isso, o país caiu de quinto para nono maior recebedor de IED no ano passado. Globalmente, o fluxo sofreu forte contração, de 19%, segundo a Agência da ONU para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).
A Unctad atribui a queda no fluxo de IED para o Brasil, após os US$ 68 bilhões em 2017, à “desafiadora situação econômica e às incertezas eleitorais”, que assustaram os investidores estrangeiros.
Desde 2015 o Brasil adota a denominação Investimento Direto no País (IDP) no lugar de IED e os dados do Banco Central normalmente divergem dos da Unctad.
O fluxo de IED via “equity” (aquisição de participação) diminuiu de US$ 54 bilhões para US$ 38 bilhões. Esse volume inclui operações de fusão e aquisição por estrangeiros, que caíram de US$ 25 bilhões em 2017 para US$ 14 bilhões, 44% a menos. Os lucros reinvestidos por multinacionais no país alcançaram US$ 18 bilhões. E houve US$ 3,7 bilhões no item “outros capitais”, que inclui empréstimos entre companhias.
O volume anunciado de projetos “greenfield”, um indicador de tendência futura, cresceu 64% em 2018 no país. “O Brasil tem um potencial enorme para continuar recebendo mais IED.”
O volume global de IED caiu 19% em 2018, para US$ 1,2 trilhão, ante US$ 1,47 trilhão em 2017. Foi a terceiro queda seguida, refletindo um crescimento anêmico desde a crise financeira global de 2008.
As tendências de longo prazo mostram claro paralelo com a desaceleração do crescimento do comércio de bens e uma quase reversão nas cadeias globais de valor (CGV). O IED é fortementr ligado às cadeias gobais, porque 80% do comércio internacional é vinculado a redes internacionais de produção por multinacionais e suas filiais.
As causas da baixa no fluxo de IED incluem:
- primeiro, fatores políticos, com o retorno de tendências protecionistas, incerteza e pouco progresso nos regimes internacionais para comércio e investimento;
- segundo, fatores econômicos: as taxas médias de retorno de IED caíram de 8,1%, em 2012, para 6,7% em 2017, com redução ainda maior nos países emergentes; e,
- terceiro, mudanças estruturais nos modelos de negócios: a economia digital impulsiona alteração em direção a intangíveis na produção global e formas mais leves de operação no exterior.
A desaceleração do investimento e suas causas têm importantes implicações para os empresários e os formuladores de políticas, nota a Unctad. Para muitas empresas, a rentabilidade menor das operações no exterior gera uma nova reflexão sobre operações multinacionais.
Para as autoridades, atrair investimentos é fundamental para gerar crescimento econômico e empregos. Os países emergentes estão particularmente preocupados porque o IED e as CGV impulsionaram desenvolvimento para a maioria dos mercados emergentes de hoje e são cruciais para as perspectivas de industrialização em países de baixa renda.
Prostração em vez de Recuperação Industrial e Carência de Investimentos em Infraestrutura publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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