David Runciman, autor do livro “Como a democracia chega ao fim” (RUNCIMAN, David (1967-). Título original: How Democracy Ends. Tradução: Sergio Flaksman. São Paulo: Todavia, 1ª ed., 2018) diz ter organizado o livro em torno de três temas:
- o golpe de Estado;
- a calamidade;
- o triunfo da tecnologia da informação.
Começa pelos golpes de Estado— os sinalizadores-padrão da falência democrática— e pergunta se uma tomada das instituições democráticas pela via armada ainda é uma hipótese realista. Caso contrário, como a democracia pode ser subvertida sem o uso da força? Saberíamos, pelo menos, o que estaria acontecendo?
A escalada das Teorias da Conspiração é um dos sintomas da nossa crescente incerteza quanto à natureza real do que nos ameaça. Todo golpe parte de uma conspiração, pois precisa ser planejado em segredo por pequenos grupos. Quando ele não ocorre, porém, ficamos só com as teorias da conspiração. Elas nunca esclarecem nada.
Em seguida, discute o risco de uma catástrofe. A democracia entrará em colapso se todo o resto desmoronar: guerra atômica, mudança climática calamitosa, bioterrorismo, surgimento de robôs assassinos, qualquer desses fatores pode acabar com a política democrática — no caso, porém, este seria o menor dos nossos problemas. Se alguma coisa der realmente muito e terrivelmente errado, quem sobrar estará ocupado demais com a luta pela sobrevivência para se preocupar muito com a mudança através do voto. Mas não será grande o risco de que, ante essas ameaças, a vida da democracia se esgote de qualquer maneira, enquanto nos vemos paralisados pela indecisão?
E, então, David Runciman discute a ameaça da tecnologia. Robôs inteligentes ainda estão longe de existir. Mas máquinas semi-inteligentes de um alcance mais limitado, encarregadas de minerar dados ou tomar decisões invisíveis em nosso nome, aos poucos estão se infiltrando em boa parte das nossas vidas. Temos hoje uma tecnologia a prometer uma eficácia sem precedentes, controlada por empresas obrigadas a prestar menos conta de seus atos que quaisquer outras na história política moderna. Iremos abdicar da nossa responsabilidade na democracia em favor dessas novas forças, sem nem mesmo pensar duas vezes?
Finalmente, pergunta se faz sentido imaginar a troca da democracia por coisa melhor. Uma crise da meia-idade pode indicar realmente precisarmos de mudanças. Se estamos encalhados em um impasse, por que não rompemos de uma vez com o que nos deixa tão insatisfeitos?
Ademocracia, na famosa definição de Churchill, é a pior forma de governo que existe, à exceção de todas as outras experimentadas de tempos em tempos. Ele disse isso em 1947. Muito tempo atrás. E será que desde então não tivemos realmente uma escolha melhor? David Runciman passa em revista algumas das alternativas, do autoritarismo ao anarquismo em suas versões do século XXI.
Para concluir, pergunta onde pode dar a história da democracia, no fim das contas. A seu ver, não haverá um ponto final único. Dada a grande diversidade das experiências, as democracias continuarão a seguir caminhos diferentes em diferentes partes do mundo.
O fato de a democracia dos Estados Unidos conseguir sobreviver a Trump não significa que a democracia turca seja capaz de sobreviver a Erdogan. A democracia pode estar prosperando na África ao mesmo tempo que começa a falir em várias partes da Europa. O destino da democracia no Ocidente não será necessariamente determinante para o destino da democracia em toda parte. Mas a democracia ocidental ainda é o modelo emblemático do progresso democrático. Sua falência teria implicações enormes para o futuro da política.
Haja o que houver — a menos que o fim do mundo chegue antes —, a sucessão será demorada. Aexperiência atual da democracia dos Estados Unidosestá no cerne do seu relato, mas precisa ser entendida em contraste com a experiência mais ampla da democracia em outros tempos e lugares.
Quando David Runciman diz “devíamos abandonar nossa fixação atual na década de 1930”, não está sugerindo a história ser desimportante. Muito pelo contrário: nossa obsessão por certos momentos traumáticos do passado corre o risco de nos cegar para as muitas lições que podemos extrair de outros momentos. Pois temos tanto a aprender com a década de 1890 quanto com a de 1930. E ele pode recuar ainda mais: à década de 1650 e à democracia do mundo antigo. Precisamos da história para nos libertar da nossa pouco saudável fixação em nosso passado imediato. Eis uma boa terapia para gente de meia-idade.
O futuro será diferente do passado. O passado é mais extenso do que parece.
Para os norte-americanos, ele adverte: “os Estados Unidos não são o mundo inteiro”.
Ainda assim, o passado imediato dos EUA é por onde ele começa, com a posse do presidente Trump. “Não foi o momento em que a democracia chegou ao fim. Mas foi um bom momento para começarmos a pensar no que pode significar o fim da democracia.”
Por sua originalidade, em um livro de autor prolixo de David Runciman (“Como a democracia chega ao fim”), resumirei no próximo post o terceiro ponto mais original: quando ele discute a ameaça da tecnologia.
Como a democracia chega ao fim publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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