quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Como as Democracias Morrem

Democracias tradicionais entram em colapso? Essa é a questão a ser respondida por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – professores de Harvard e estudiosos importantes da área – neste livro publicado nos Estados Unidos e na Inglaterra, no começo de 2018, e no Brasil, durante o período eleitoral do mesmo ano.  “Como as democracias morrem”, rapidamente, se transformou no trabalho com maior repercussão sobre o assunto segundo Jairo Nicolau no prefácio do livro editado pela Zahar.

Diz Nicolau: “Algumas coisas estão fora de lugar no nosso sistema político. Por isso, é fundamental aprender sobre os riscos enfrentados pelas democracias tradicionais, em especial a norte-americana. No final dos anos 1980, a literatura sobre transição democrática estava em alta. Uma das principais preocupações da ciência política na época era entender em que condições um regime político autoritário torna-se democrático. Os textos de Juan Linz e Guillermo O’Donnell eram lidos em todo o mundo, mas conquistaram interesse especial em países que, como o Brasil, faziam a passagem de um governo militar para um regime político aberto.”

Em 1985 havia 42 democracias, onde moravam 20% da população mundial. Em 2015, o número saltou para 103, com 56% da população mundial.

Essa onda democrática motivou uma outra corrente de estudos: as pesquisas sobre a qualidade e a performance desses governos. O propósito era, sobretudo, comparar democracias.

Em analogia à teoria dos ciclos econômicos, os cientistas políticos passaram a usar a ideia de “recessão democrática” – expressão cunhada pelo cientista político norte-americano Larry Diamond para descrever o fim do processo contínuo de ampliação de democracias no mundo. O fracasso da democratização nos países que promoveram a Primavera Árabe (apenas a Tunísia conseguiu fazer uma passagem bem-sucedida) e a reversão de experiências similares incipientes na África, no Leste Europeu e na Ásia ensejaram um novo ciclo de análises, em geral pessimistas, sobre os Estados democráticos.

Inicialmente, a ideia de recessão democráticaestava associada às dificuldades de surgimento de novos governos desse tipo desde meados da década de 2000. Nos últimos anos, porém, a preocupação dos estudiosos passou a ser a crise das democracias consolidadas.

A pergunta-chave agora é: democracias tradicionais entram em colapso? Há uma diferença fundamental entre saber por que ela não se consolidou no Egito e em que medida poderia entrar em colapso na Itália. Mas, de uma forma ou de outra, o termo recessão democrática passou a designar os dois processos.

Em Como as democracias morrem, Levitsky e Ziblatt fazem referência a diversos contextos de declínio democrático no mundo, mas sua preocupação central é com a crise do sistema político norte-americano – sobretudo a partir das ameaças trazidas pela ascensão de Donald Trump”.

Entre os diversos achados do livro, Nicolau destaca dois. O primeiro diz respeito à mudança nas regras de escolha dos candidatos a presidente e como isso teria “facilitado” a ascensão de um outsider como Trump. Durante décadas, os candidatos que concorriam pelos dois partidos eram escolhidos por um pequeno grupo de dirigentes partidários; escolha que, nas palavras dos autores, acontecia “em conversas de bastidores em salas enfumaçadas”.

A partir de 1972 a vasta maioria dos delegados das convenções dos partidos Republicano e Democrata passou a ser escolhida em primárias. Então, a decisão de quem será o candidato do partido deixou de ser feita por um pequeno grupo de dirigentes [a Nomenclatura] para ser feita por milhões de eleitores.

As primárias garantem cidadãos comuns influenciarem na escolha do candidato concorrente pelo partido, isto é, sua popularidade. Entretanto, elas podem ocorrer de modo os líderes tradicionais perderem o controle do processo de escolha do candidato e ser escolhido um outsider contra o establishment.

Isso aconteceu com Trump. Embora sem suporte dos “caciques” do partido, ele garantiu sua indicação por conta do grande apoio que recebeu dos eleitores. Com a meteórica ascensão de Trump, dizem Levitsky e Ziblatt, os dirigentes republicanos acabaram por perder sua função de “guardiões da democracia”.

O institucionalismoé o nome de uma das principais correntes da Ciência Política contemporânea. A maioria dos estudos de corte institucionalista enfatiza o peso das normas legais e arranjos institucionais para explicar o comportamento político. Mas, contrariando um pouco essa ideia, os autores conferem um papel primordial às regras informais em Como as democracias morrem. Esse é o segundo ponto destacado do livro por Nicolau.

Para Levitsky e Ziblatt, em um regime democrático é esperado os dirigentes políticos acatarem as normas informais do jogo. “As duas regras informais decisivas para o funcionamento de uma democracia seriam:

  1. a tolerância mútua: reconhecer os rivais, caso jogarem pelas regras institucionais, terem o mesmo direito de existir, competir pelo poder e governar;
  2. a reserva institucional: evitar as ações, embora respeitadndo a letra da lei, violem claramente o seu espírito. Portanto, para além do texto da Constituição, uma democracia necessitaria de líderes capazes de conhecerem e respeitarem as regras informais.

Aqui e acolá, os intolerantes e ignorantes eleitos deixaram de cumprir esses passos democráticos informais.

Outro tema central presente no livro é a reforma política.

Nos Estados Unidos, por exemplo, um ponto fundamental é definir como os distritos eleitorais serão delineados, uma vez que evitar o gerrymandering– manipulação do desenho dos distritos para favorecer determinados grupos – é uma das principais questões para países que usam o voto distrital. Esse não é o caso do Brasil, porque escolhemos nossos deputados utilizando o sistema proporcional.

Os norte-americanos também precisam lidar com o grande número de adultos não registrados como eleitores, pois as regras de inscrição variam de estado para estado e são muito exigentes em alguns deles, excluindo um contingente expressivo de eleitores.

No Brasil, com o registro obrigatório e o cadastro nacional de eleitores, esse problema não existe. Para combater a situação, os autores defendem, entre outras medidas, a introdução do voto obrigatório nos Estados Unidos.

Essa obrigação existe no Brasil desde os anos 1930. Para muitos analistas, é um dos maiores problemas da democracia brasileira, simplesmente, porque, como demonstrado na última eleição, 55% dos eleitores não sabem escolher o melhor para o País!

Como as Democracias Morrem publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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