Jorge Arbache é vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Publicou artigo (Valor, 14/02/19) se perguntando: de onde virão empregos?
“Uma das mais ruidosas preocupações deste início de século é de onde virão os empregos. A preocupação é pertinente em razão das evidências de que tecnologias como inteligência artificial, robôs e serviços prestados de forma remota poderão destruir empregos. Há estimativas para todo gosto. Independentemente da estimativa, há consenso de que os impactos serão grandes.
Mas o que ainda não está claro é se e como as tecnologias e serviços afetarão países com características distintas. Haverá ganhadores e perdedores? Este ponto é importante, pois tem implicações econômicas, sociais e até políticas.
Parece haver dois grupos de efeitos das novas tecnologias no emprego.
De um lado, estariam os efeitos na criação e destruição de empregos associados ao uso de tecnologias e serviços remotos. Eles se referem, por exemplo, ao uso de inteligência artificial em atividades fabris e ao uso de plataformas digitais de serviços.
De outro lado, estariam os efeitos associados à criação de empregos relacionados ao desenvolvimento, gestão e distribuição de novas tecnologias e serviços. Essas tecnologias requerem verdadeiros exércitos de profissionais e técnicos especializados e atividades necessárias para se gerir e operar negócios com atuação global.
O primeiro efeito afeta os países que empregam tecnologias e serviços. O segundo se limita aos países que se tornaram desenvolvedores, gestores e distribuidores daquelas tecnologias e serviços. Os efeitos líquidos seriam, portanto, diferenciados entre países.
Mas há razões para se esperar que os efeitos líquidos serão ainda mais assimétricos. Primeiro, porque quanto mais globalizados e integrados forem os mercados de tecnologias e serviços, mais os países desenvolvedores, gestores e distribuidores se beneficiarão em termos de emprego, já que muitos daqueles negócios são geridos majoritariamente de forma remota. E, segundo, porque a comoditização digital está influenciando a geografia dos investimentos.
A comoditização digital refere-se a modelos de negócios que visam popularizar o acesso e uso de tecnologias digitais e serviços. Mais que ganhar com a venda de uma fábrica inteligente ou com o acesso tarifado a uma plataforma, o modelo mira o efeito-rede e o efeito-plataforma e a comercialização de serviços especializados e licenças. Isto ajuda a explicar os preços relativamente baixos e cadentes de tecnologias sofisticadas e o acesso a serviços digitais a preços baixos ou até irrisórios.
Acontece que como aquelas tecnologias são poupadoras de trabalho, elas estão viabilizando atividades variadas e a manufatura em países desenvolvidos até mesmo de têxteis e calçados, que antes eram intensivos em trabalho. Isto ajuda a explicar o ativismo industrial e o deslocamento de investimentos em favor dos países desenvolvidos. E explica dois outros movimentos: a formação de grandes hubs fabris, tecnológicos, de serviços e de negócios em torno de algumas cidades e a transformação das cadeias globais em cadeias regionais de valor.
De fato, o vigor do mercado de trabalho americano está associado ao que se passa naquelas atividades. Dados do Bureau of Labor Statistics mostram uma alta e crescente demanda por ocupações tecnológicas e relacionadas e já se projetam fortes aumentos salariais para elas.
Nesse contexto, parece razoável prever que países em desenvolvimento enfrentarão desafios para gerar empregos. Um deles está associado à substituição de tecnologias por trabalhadores, já que a comoditização digital já chegou até mesmo em países de renda baixa. Outro desafio está associado aos efeitos da comoditização digital na geografia dos investimentos em desfavor daqueles países. E um terceiro está associado ao crescente consumo de serviços fornecidos desde fora.
Para a América Latina, esse debate é crítico. Afinal, temos uma população jovem e com pouca qualificação e que ainda está crescendo a taxas relativamente altas. A região também convive com altas taxas de desemprego e de informalidade.
Se baixos custos do trabalho já não são tão eficazes como fatores de atração de investimentos, então de onde virão os empregos?
Obviamente que a questão tem nuances por país. Mas, de forma geral, há muitas oportunidades de negócios associados a ganhos de eficiência, inclusive se beneficiando das commodities digitais, inclusão de pessoas ao mercado financeiro e consumidor, obras de infraestrutura e investimentos diversos numa agenda que requer reformas micro e macro já conhecidas.
Mas se queremos dar aos nossos países um lugar ao sol na economia global, então será preciso ambição e considerar um rol mais amplo de políticas que incorporem a região à era digital e de serviços.
Uma dessas políticas é a industrialização dos setores que temos vantagens comparativas. Outra é o desenvolvimento de tecnologias, soluções digitais e serviços globais associados àqueles setores. E outra, mais importante, é a preparação da próxima geração de trabalhadores para um mundo crescentemente digital e de serviços.
A região já mostrou que pode participar com sucesso da agenda digital como desenvolvedor, gestor e distribuidor. Agora, é preciso criar as condições para dar escala e encorajar o desenvolvimento de novas ideias e negócios. Isto exigirá capacidade de elaboração e implementação de políticas. A jornada será tortuosa, mas é para lá que devemos seguir.”
Política de Emprego publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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