Costumo ler os artigos de Fernando Torres. São mais técnicos e menos ideológicos se comparados aos demais colunistas. Além de experiência em jornalismo econômico, formado na ECA-USP, com MBA na FIA, ele é mestrando em Contabilidade pela FEA-USP.
No entanto, no artigo “Justiça e Injustiça do Regime Previdenciário de Capitalização” (Valor, 07/03/19), ele se utiliza de um conceito (juros reais, isto é, recebidos acima da inflação) para estimar “quanto uma contribuição mensal de R$ 2,64 mil sobre um salário bruto de R$ 10 mil por mês, aplicado ao longo de 40 anos, e com juro real de 4% ao ano, geraria de estoque de riqueza acumulada para a pessoa: R$ 3 milhões”.
“Quem acumular essa quantia e aos 65 anos se aposentar, tendo ainda expectativa de sobrevida de 19 anos, conforme a tábua atual do IBGE, conseguirá renda mensal de R$ 9,26 mil, em cenário de juros reais de 2% ao ano na fase de recebimento, ou de R$ 12,68 mil mensais, caso conseguisse fazer a reserva render 4% acima da inflação também durante a aposentadoria”. Por que a mudança desse parâmetro para esse outro ciclo de vida individual?
Mas o problema maior não é esse, mas sim a aplicação (usual também por parte de economistas) do conceito de “ilusão monetária”. Ele adverte contra o engano das pessoas quando, em regime inflacionário, interpretam como aumento de seu poder aquisitivo qualquer aumento nominal de juros recebidos. Se ele for expressivo em termos nominais, mas sendo abaixo da taxa de inflação, induz a uma ilusão monetária.
Não é questão de ser heterodoxo, mas sim de rever a aplicação dessa ideia à minha experiência prática. Minha hipótese a ser defendida com argumentos e evidências estatísticas, neste artigo, é o conceito de juros reais não ser tão relevante para um assalariado de renda acima do teto do INSS quanto é o de salário real. Este se refere a um fluxo de renda variável, aquele supostamente simularia o valor presente real do futuro estoque nominal de capital.
Na realidade, os cálculos financeiros para estimar o valor da aposentadoria, no novo regime de capitalização, devem ser realizados com juros nominais compostos. Eles incidirão cumulativamente sobre o estoque de capital durante 35 anos, ou mais precisamente 40 anos para obter valor equivalente ao último salário.
Talvez um exemplo real seja mais esclarecedor em lugar do uso de muitas palavras ou conceitos abstratos. A perda financeira em fundos e títulos e valores mobiliários per capita de dezembro de 2015 a dezembro de 2018 do Varejo Tradicional foi R$ 4.480,00. Por sua vez, o Varejo de Alta Renda ganhou em média R$ 26.772,00 e o Private Banking, R$ 2.420.920,00.
Em termos percentuais, de 2015 para 2016, o Private ganhou 14,5% e, de 2016 para 2017, 10,6%. São taxas de crescimento similares à média da taxa de juro básica (Selic) em cada um desses dois anos recessivos na economia brasileira.
No entanto, em 2018, com a queda da média da Selic 252 para 6,48%, o ganho percentual desses clientes per capita foi 8,4% e o dos grupos familiares, 11,8%, indicando a elevação da aplicação em renda variável quando a bolsa de valores teve um bom ano. Enquanto isso, o Varejo de Alta Renda ganhou apenas 4,46% e o Varejo Tradicional diminuiu em 11% de suas aplicações em fundos e títulos e valores mobiliários.
No fim de 2018, desconsiderando os depósitos de poupança e considerando a Previdência Privada apenas do Private Banking, a riqueza per capita dos clientes bancários do varejo tradicional e do varejo de alta renda era, respectivamente, R$ 42 mil e R$ 190 mil. O Private Banking tinha riqueza per capita de R$ 8,9 milhões.
A renda per capita brasileira caiu -0,4% em 2014, -4,3% em 2015, -4,2% em 2016 e só cresceu 0,3% em 2017 e também 0,3% em 2018. R$ 32.747 foi o PIB per capita nesse último ano, ou seja, R$ 2.729 mensais se fosse igualmente distribuído. Então, praticamente nada se adicionou de valor (fluxo de renda) para a maioria e muito se capitalizou o estoque de riqueza para uma minoria, durante a Grande Depressão brasileira. Não se adicionou valor, mas aumentou o valor apropriado pelos ricaços. Isto vem da mera transferência de propriedades privadas sem acréscimo de excedente.
Quando a taxa Selic permaneceu em 14,25% aa, durante 15 meses (julho de 2015 a outubro de 2016) ela equivalia à 1,1% a.m. ou 14,15% na Selic 252 anualizada. O Private Banking com volume de negócios financeiros superior a R$ 5 milhões nesse caso de juros a 1,1% a.m. tinha ganho de capital em renda fixa superior a R$ 745 mil por ano.
A pergunta-chave é a seguinte: estaria preocupado desse ganho nominal manter o poder aquisitivo real do seu estoque de capital suficientemente para seu consumo? Ora, se ele gastasse com sua cesta básica de consumo familiar, anualmente, por exemplo, cerca de R$ 240.000 de seus rendimentos financeiros, teria ainda mais de ½ milhão de reais para elevar sua capitalização.
Na Selic média em 252 dias úteis, os juros anuais médios foram de 2014 a 2018, respectivamente, 10,9%, 13,9%, 14,1%, 10,1%, e 6,5%. As taxas de juros reais tinham sido 4,32% aa em 2014 e 2,92% aa em 2015. Foram elevadas para 7,34% aa em 2016 e 6,94% em 2017. Caiu para 2,63% em 2018.
Na tabela abaixo também tem o cálculo considerando a inflação média durante os anos – e não acumulada no fim de cada ano. Nesse caso de melhor captação dos choques inflacionários – destacadamente, inflação de alimentos por seca de 2012 a 2016, choque tarifário em preços administrados em 2015 e inflação de serviços antes da recessão –, os juros reais nos anos de 2015 e 2016 foram significativamente distintos. Quais juros reais teriam de entrar no cálculo da capitalização? A meu ver, nenhum deles.
Então, entre uma taxa de juro de 6,48% aa com taxa de inflação de 3,75% acumulada em 12 meses, resultando 2,63% aa de juros reais, em 2018, ou um juro nominal médio anual de 13,9% com taxa de inflação de 10,7%, deduzindo juros reais de 2,92% aa, qual é a preferência do “investidor qualificado” (detentor de mais de um milhão de reais) seria devido a essa ligeira diferença de 0,29 p.p.?
Devido aos juros nominais, ele optaria pelo ano de 2015 e não o de 2018. No ano de 2018, a cada milhão de reais possuído, ele ganharia R$ 65.000 no ano. No ano de 2015, teria ganhado R$ 139.000. Racionalmente, ele optaria por essa segunda situação, pois o rendimento de dois milhões de reais, provavelmente, já cobriria o gasto anual com sua cesta básica de consumo se fosse apenas rentista. Se fosse ainda assalariado, seu padrão de gastos em consumo deveria estar abaixo do fluxo de renda do trabalho. No caso do estoque de capital, os juros nominais compostos capitalizariam sua fortuna sem necessidade de verificar o poder aquisitivo de imediato de seu saldo financeiro.
Fiz abaixo uma simulação da carreira acadêmica de professores em RDIDP (Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa), desconsiderando adicional por tempo de serviço, sexta-parte e outras gratificações. Capitalizando a contribuição com juros mensais de 0,5% e alongando a carreira por quarenta anos, desde a graduação com 25 anos até atingir a idade mínima de 65 anos, só conseguirão manter o padrão de vida do último salário (sem as gratificações) por mais vinte anos. Sem levá-las para a aposentadoria, será incorreto descontar contribuição para SPPREV sobre as gratificações. Elas terão de ser aplicadas para a manutenção do bem-estar familiar.
Capitalização por Juros Nominais Compostos e não por Juros Reais publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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