Fabio Graner (Valor, 31/07/18) informa: a necessidade de políticas de demanda, em especial o uso da taxa de juros, tem sido negligenciada pelos governos nos últimos anos e é um dos fatores que explicam o baixo crescimento econômico após a grave recessão de 2015/2016. A recuperação do país após esse ciclo negativo, com estagnação do crescimento per capita, tem sido a mais lenta desde o final do século XIX, com custos sociais e fiscais, como a perda de arrecadação do governo em torno de dois pontos percentuais do PIB.
A análise consta de artigo técnico de 19 páginas elaborado pelos economistas Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bráulio Borges, da LCA Consultores e do Ibre, e Gilberto Borça Júnior, pertencente ao corpo de economistas do BNDES.
Eles fazem comparações com outros episódios após recessões severas no Brasil e no mundo. O movimento atual de retomada é atipicamente lento. Passados 20 trimestres, ou seja, cinco anos, a economia ainda se encontra 5,3% abaixo de seus patamares pré-recessão. Se considerarmos que na média das nove recessões desde 1980, transcorrido tal intervalo de tempo, o PIB já estaria cerca de 8,1% acima de seu patamar pré-crise, o atual processo de recuperação mostra uma economia ainda 12,4% abaixo de seu padrão histórico de retomada. Até mesmo nas recessões de 1981-83 e 1989-92, comparáveis ao ciclo de 2014/16, a economia já havia retomado o nível anterior ao tombo entre dois e três anos depois de atingido o ‘fundo do poço’.
Segundo eles, se o PIB dos próximos anos seguir a trajetória projetada pelo mercado, a economia se recuperaria integralmente no terceiro trimestre de 2021, sete anos e meio após o início da recessão. Caso o ritmo de recuperação permaneça igual ao dos últimos dois anos, a produção retomaria o nível pré-recessão apenas 40 trimestres depois, ou seja, em uma década.
A postura de certo desprezo à necessidade de demanda acaba por ter efeitos negativos de médio e longo prazo para a economia e para a vida das pessoas. Um dos principais impactos, segundo os autores, é sobre o mercado de trabalho, com as pessoas tendendo a se ajustar ou se conformar com padrões de vida mais baixos e aumento da incidência de distúrbios mentais associados a sentimento de insegurança e ansiedade. Esses efeitos tendem a prosseguir mesmo na recuperação do mercado porque muitas pessoas podem não se encontrar mais em condições de inserção ou o fazem em posições desfavoráveis, de baixa produtividade ou informalidade.
Os custos econômicos e sociais de se negligenciar/demonizar políticas de gestão da demanda em uma economia operando bastante aquém do pleno emprego não se limitam ao curto prazo, podendo se estender para o médio e longo prazo. Ao minimizar o quadro de persistente e elevado subemprego presente na economia brasileira, a política econômica deturpa a lógica da recuperação cíclica porque tende a fazer parte do fechamento do hiato de recursos se dê por meio de uma redução do potencial, ao invés de se concentrar em restabelecer o PIB corrente.
O principal fator limitante a uma expansão mais rápida do PIB brasileiro nos últimos anos tem sido a falta de demanda, e não uma eventual restrição do lado da oferta, embora esta capacidade produtiva também tenha se deteriorado com a ociosidade. Os autores se basearam em cálculos econométricos e análises baseadas em teorias como a “regra de Taylor”, a política monetária brasileira não atuou de forma “simétrica” nos últimos anos, reagindo mais quando o IPCA estava acima da meta do que quando abaixo dela, o que tem acontecido nos últimos anos.
Existem várias evidências de a postura da política monetária doméstica ter sido inadequada desde meados de 2016, sobretudo no último ano. Com a introdução do teto de gastos e com a contenção acentuada do crédito público, as políticas fiscal e parafiscal deixaram de ser altamente expansionistas, passando a ter uma postura mais neutra/contracionista. Portanto, nesse novo arranjo macroeconômico, fica à cargo da política monetária a administração do ciclo econômico.
Dadas as expectativas de inflação 12 meses à frente e o nível de ociosidade, os referenciais das regras estimadas apontam: a taxa Selic deveria ter encerrado o segundo trimestre de 2019 em algo entre 3,25% e 4,75%, bem abaixo dos 6,50% efetivamente observados.
Indicadores como baixo déficit em conta corrente, inflação corrente e expectativas abaixo das metas, alta ociosidade em diversos segmentos da economia, desemprego elevado apontam a magnitude do impulso monetário ter sido insuficiente, a despeito do discurso do BC de que a política monetária atual é “estimulativa”.
A situação de baixo crescimento crônico também tem trazido consequências fiscais importantes. Aproximadamente metade do ajuste fiscal necessário para restaurar a solvência fiscal intertemporal brasileira, de cerca de 4 p.p. do PIB, é conjuntural, e a outra metade, estrutural, demandando, neste último caso, reformas nos gastos obrigatórios e/ou mudanças na carga tributária.
Em outras palavras, o hiato do produto altamente negativo no momento atual está subtraindo cerca de 2 p.p. do PIB da arrecadação recorrente e do resultado primário do governo geral, adiando a estabilização e mesmo a inflexão da relação DBGG/PIB. É simples assim a receita keynesiana: basta retomar o crescimento do PIB para a arrecadação fiscal crescer e possibilitar o ajuste futuro.
Política Expansão de Demanda (keynesiana) versus Política de Oferta (neoliberal) publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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