Adriana Cotias (Valor, 09/08/19) avalia: o investidor brasileiro tem intuito de diversificar o risco para além da rotina da renda fixa. Com a Selic na mínima histórica, em 6% ao ano, têm ganhado peso progressivamente ativos de renda variável, fundos imobiliários e debêntures. Isso é mostrado pelos dados do primeiro semestre referentes às aplicações dos segmentos de varejo, alta renda e private banking da Anbima. Ela representa o mercado de capitais e de investimentos.
Como um todo, os investimentos da pessoa física alcançaram R$ 3,1 trilhões em junho, um incremento de 5% em relação a dezembro de 2018, e de 11,2% na comparação com janeiro a junho do ano passado. No mesmo intervalo em 2017, o setor tinha crescido 3,3%.
Os números da primeira metade do ano ficaram acima da variação da Selic, de 3,1% no período, mas abaixo do IMA-Geral, índice que mede o desempenho de uma cesta de títulos públicos, com alta de 7,9%. O Ibovespa ganhou 14,9%.
No varejo, o saldo dos investidores chegou a R$ 1,9 trilhão, com alta de 2,7% no semestre, mesmo ritmo observado de janeiro a junho de 2017. A alta renda passou a representar 51,5% do conjunto varejo, com R$ 968,7 bilhões, em comparação à fatia de 47,6% de dezembro.
O movimento de diversificação do investidor se refletiu na evolução das diversas classes de ativos. Segundo a Anbima, no varejo perderam tração os fundos de renda fixa (alta de 1,4%), o CDB (+1,3%), as letras de crédito imobiliário (-4,4%) e a poupança (-0,1%). Em contrapartida, ganharam velocidade os fundos de ações (+38,6%), os fundos imobiliários (+36,5%), as debêntures (+19,1%) e as aplicações diretas em ações (+28,1%).
Na alta renda, a parcela em ações aumentou de 4,5% para 6,6% em 12 meses e, no varejo tradicional, saiu de 0,9% para 1,2%. Os multimercados atingiram 9,8% na alta renda, partindo de 9,3%, enquanto no varejo a modalidade ainda é pouco representativa, com 1%, um certo decréscimo em relação a junho de 2018 (1,1%).
No varejo de alta renda, os investidores, com a queda da taxa de juros, têm mostrado menor aversão a risco. Ele acaba tendo um mix maior de renda variável.
Com tal tendência, o conjunto de investimentos no segmento cresceu 11% no primeiro semestre em relação a dezembro, até mais além do private banking. Este apresentou incremento de 8,8%, a R$ 1,2 trilhão.
Quando houve] a subida da taxa de juros no exterior, especialmente nos Estados Unidos, alguns investimentos do private foram feitos lá fora e isso não aparece na estatística. O varejo de alta renda ainda não tem acesso a esses instrumentos.
O resultado é o investidor afluente aplicar mais em ações ao rebalancear seu mix. Em junho, a participação da renda variável nesse segmento era de 6,6%, mais que o dobro do que tinha em 2016.
O maior volume do investidor atendido pelos serviços de gestão de fortunas está em fundos, com R$ 590 bilhões, um crescimento de 9,1% de janeiro a junho. Mas a renda variável foi destaque, com alta de 17,4%, a R$ 172,7 bilhões. Ações ainda ganharam participação relativa na carteira do private, saindo de 12,3% em junho de 2018 para 14,7% na foto atual. Os fundos de ações passaram a representar 6,7%, ante 5,2% de 12 meses atrás.
No varejo tradicional, a poupança ainda predomina, com 67,1% dos recursos na categoria. Ela mostra resistência mesmo em ambiente de juro menor, apesar de afetar a rentabilidade. Pela regra atual, equivale a 70% da Selic. Na caderneta, ainda estão acomodados R$ 729,8 bilhões. Foi em razão do fraco desempenho da aplicação que Rocha atribuiu o encolhimento dos volumes na base da pirâmide (-4,8%).
Embora tenha uma tendência de queda natural do juro e o investidor tenda a buscar mais risco e partir para ativos em que tenham chances de maior retorno, a grande massa está na poupança. Mais de 80% dos volumes na caderneta tenham depósitos de até R$ 500. Para esses valores, o peso dos juros é pequeno na tomada de decisão. O investidor escolhe mais pela solidez, segurança. Alguns grandes poupadores têm possibilidade de alguma migração, mas a grande massa não.
No varejo como um todo, os fundos tiveram aumento de 5,1%, a R$ 626 bilhões. Títulos e valores mobiliários também ganharam força, com alta de 4,2%, para R$ 525,6 bilhões.
O avanço das plataformas digitais e a reorganização dos próprios bancos na distribuição de investimentos (com a oferta de produtos de terceiros) têm fomentado o acesso do investidor de varejo a uma classe que antes estava fora do seu radar, as debêntures, mas ele precisa estar ciente dos riscos. De janeiro a junho, no varejo a evolução desse tipo de título de dívida foi de 19,1%, ritmo maior do que no private banking, de perfil mais qualificado, com alta de 13,6%.
Com casas de investimentos com uma série de portfólios facilita a distribuição de mercado de capitais, massifica o investimento e traz o acesso ao público que no passado não tinha. Antigamente, determinados fundos de crédito privado tinham entradas mínimas de centenas de milhares de reais e hoje já há entrada a partir de R$ 100 em multimercados com debêntures.
A massificação traz, contudo, preocupações de esse tipo de venda ser feito com qualidade, porque ativos de crédito não são voláteis até passarem por algum evento de inadimplência, como alguns casos recentes.
É importante o ‘suitability‘ [enquadramento de perfil]. Não é possível se vender esses papéis para investidor sem conhecimento do risco que está correndo, é inadmissível. O Mercado tem se preocupado com isso e exigido melhor qualificação na cadeia de distribuição. O cliente precisa estar ciente do risco. Até os próprios fundos, com essas características, eles mesmos têm que fazer um tipo de suitability de um papel desses.
Em valores absolutos, o volume de debêntures ainda é pouco representativo nas carteiras das pessoas físicas, com R$ 23 bilhões no private banking e R$ 10,4 bilhões no varejo.
No caso dos fundos imobiliários, é importante o cliente ter consciência de que, ao investir em imóvel, se ficar desocupado, ele vai ter de arcar com despesas de condomínio e IPTU e não vai ter renda, vai ter que tirar o dinheiro do bolso. O fundo imobiliário tem o mesmo conceito.
Tesouro Direto
Allan Hadid é sócio da BTG Pactual Asset Management. Leia seu típico artigo de “analista de mercado” ou permanente vendedor de ilusões otimistas quanto ao futuro.
“Os olhos do mercado financeiro estão voltados, no momento, para uma expectativa em comum: as mudanças anunciadas pelos bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos sobre as taxas de juros.
No Brasil, em que o Copom estava há meses sob pressão para uma diminuição dos juros, o corte da Selic foi de 0,50 ponto percentual na última reunião, com a taxa indo a 6% ao ano.
Diferentemente de outros momentos de redução dos juros, o momento atual me faz lembrar os primórdios do Plano Real, quando as taxas de inflação caíram de dois dígitos ao mês para dois dígitos anuais. Nós deixamos de nos preocupar, quase obsessivamente, em como aplicar todos os dias o saldo de dinheiro que ficava em conta corrente em produtos de “overnight“, fundos de renda fixa e fundos de commodities (os precursores dos atuais multimercados).
Com esse movimento de queda da Selic e seu reflexo no CDI, é crível afirmar que a indústria de fundos de investimentos no Brasil deverá passar por uma transformação contundente a partir de agora, uma vez que o CDI deixará de ser referência a todos investidores.
A queda dos juros provoca uma reflexão necessária no investidor que passará a analisar com muito mais cuidado a rentabilidade de suas aplicações, sem obrigatoriamente se basear no CDI. A tendência é que as pessoas deixem de ter aquele pensamento: “Eu vou investir em um fundo que dá 130% do CDI”. A verdade é que, no cenário atual, o CDI vai desaparecer e o racional será cada vez mais: “Qual percentual esse fundo ou investimento pode me dar de rentabilidade ao ano?”.
Essa série de transformações na indústria e na cabeça do investidor, motivada pela redução da taxa de juros, lança luz a um objetivo único: rentabilidade nominal. Diria que vai soar como “fora de moda” referenciar investimentos ao CDI. Agora, aos interessados em ter rentabilidade consistente ao ano, a referência será a taxa nominal dos investimentos. O cotista vai começar a perceber e exigir que as metas sejam de retornos nominais comparados ao risco da classe de ativo e sua liquidez.
Então, de forma gradativa, vivenciaremos uma mudança de referência na indústria de investimentos. E, junto com essa transformação, começarão a surgir novas classes de fundos. O fundo referenciado a CDI vai perder relevância e o investidor começará a buscar retornos absolutos em fundos de renda variável e em novos tipos de fundos de crédito (basicamente compostos por ativos não convencionais, que nada têm a ver com os fundos de hoje).
Nesse contexto, na esteira de novos produtos do mercado financeiro, os protagonistas dessa nova transformação da indústria de investimentos no Brasil serão os produtos que têm ou são atrelados a ativos reais, como por exemplo: bolsa, fundos imobiliários, private equity, infraestrutura e fundos florestais; todos com ativos que possuem geração de retorno nominal por trás de sua tese de investimento.
Alguns investidores institucionais já perceberam isso. Mas o investidor em geral ainda não e vai inevitavelmente notar, por exemplo, que a poupança e os fundos DI não remuneram mais. Será necessário gastar tempo, pensar diferente e fazer algo para mudar esse cenário. E, para isso, obviamente procurar novas alternativas de investimentos. Esse movimento já vem acontecendo no Brasil de forma lenta, mas deve ganhar tração daqui para frente.
Portanto, a transformação vai englobar toda a indústria de fundos, as diversas classes de ativos e o investidor. O ritmo dessa transformação vai depender de como as pessoas vão receber esse novo momento. Mas, historicamente, o brasileiro é um investidor que se adaptou muito rápido quando a inflação permaneceu em patamares elevados ou quando caiu de forma contundente. No caso da indústria de fundos, a gestão de risco e o suitability serão fatores importantes na diferenciação entre os gestores, portanto, o novo cenário também traz oportunidades e desafios.
Por fim, faço aqui um paralelo recente com o Chile. A taxa de juros nominal chilena está próxima de 2,5%, indo para 2%. Apesar de historicamente a taxa de juros naquele país ser bastante baixa, o movimento de redução do último ano está acelerando a migração do investidor de ativos tradicionais de renda fixa para o crédito privado, fundos imobiliários e fundos de infraestrutura.
Agora, o momento chegou para o Brasil. Temos hoje no país 17 mil contas de investidores em fundos de investimentos em geral. Esse número pode mais do que dobrar tranquilamente em alguns anos. E os resultados desse movimento de transformação da indústria são claros:
- aumento do número de investidores em fundos;
- migração de ativos de renda fixa para renda variável;
- o crescimento de estratégias com maior iliquidez e
- um aumento de patrimônio nunca visto na indústria brasileira de fundos.”
Obs.: mais um vendedor de ilusões otimistas?!
Era dos Juros Baixos e Aversão ao Risco de Renda Variável publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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