Steven Pinker, no livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018), cita outro exemplo de progresso, devido ao Iluminismo. Alguns o chamam de Revolução Igualitária: sociedades modernas alocam hoje uma parcela substancial de sua riqueza para saúde, educação, pensões e programas de transferência de renda
A figura acima mostra o gasto social ter decolado nas décadas intermediárias do século XX. Nos Estados Unidos, foi com o New Deal adotado na década de 1930. Em outros países desenvolvidos, ocorreu com a ascensão do Estado de bem-estar social após a Segunda Guerra Mundial. Hoje, o gasto social absorve em média 22% do PIB desses países.
A explosão do gasto social redefiniu a missão do governo: de guerrear e policiar para também sustentar. Os governos passaram por essa transformação por várias razões. Entre elas, o gasto social vacina os cidadãos contra a sedução do comunismo e do fascismo, ambos regimes totalitários.
Alguns dos benefícios, como educação e saúde pública universais, são bens públicos. Eles favorecem todos, não apenas os beneficiários diretos. Muitos dos programas indenizam cidadãos em caso de infortúnios contra os quais não podem ou não querem assegurar-se por conta própria. Daí o eufemismo “rede de segurança social”.
Como não tem sentido todos mandarem dinheiro para o governo só para depois receberem de volta, deduzida a mordida da burocracia para organizar o Estado nacional, o gasto social destina-se a ajudar pessoas com menos dinheiro, sendo a conta paga por aqueles possuidores acima de muito mais acima da média. Esse é o princípio conhecido como redistribuição, Estado de bem-estar social, socialdemocracia ou socialismo.
Steve Pinker acha isso ser de forma enganosa, pois o capitalismo de livre mercado é compatível com qualquer quantidade de gasto social. Independentemente de o gasto social ser ou não projetado para reduzir a desigualdade, esse é um dos seus efeitos, e o aumento dos gastos sociais dos anos 1930 até os 1970 explica parte do declínio no índice de Gini.
O gasto social demonstra um aspecto impressionante do progresso. Embora Pinker desconfie de toda e qualquer inevitabilidade histórica, forças cósmicas ou místicos arcos de justiça, alguns tipos de mudança social realmente parecem ser executados por uma inexorável força tectônica. Quando avançam, certas facções opõem-se a eles com vigor, porém a resistência malogra.
O gasto social é um exemplo. Os Estados Unidos são famosos por resistir a qualquer coisa ligada à redistribuição, devido ao individualismo atávico. No entanto, destina 19% de seu PIB a serviços sociais e, apesar dos melhores esforços de conservadores e libertários, o gasto social continua a crescer. As expansões mais recentes são um benefício para medicamentos prescritos introduzido por George W. Bush e o epônimo plano de seguro-saúde conhecido como Obamacare introduzido por seu sucessor.
Na verdade, o gasto social nos Estados Unidos é ainda maior em relação ao aparentado, pois muitos americanos são forçados a pagar por planos de assistência médica, aposentadoria e invalidez por intermédio de seus empregadores, e não do governo. Quando se adiciona esse gasto social administrado pela iniciativa privada à parcela pública, os Estados Unidos pulam do 24º para o segundo lugar entre os 35 países da OCDE, logo atrás da França.
Apesar de todos os protestos contra o inchaço governamental e os impostos elevados, o povo gosta do gasto social. A previdência social é chamada de “o terceiro trilho da política americana”, pois “os políticos, após a cortarem, são mortos pelo trem da próxima eleição”.
Mal o Obamacare foi aprovado, o Partido Republicano passou a combatê-lo como uma causa sagrada. Porém, cada um de seus ataques ao plano, depois de o partido conseguir o controle da presidência em 2017, foi rechaçado por cidadãos coléricos em assembleias municipais e por legisladores temerosos dessa ira.
Os países em desenvolvimento hoje, como os desenvolvidos um século atrás, são frugais no gasto social. A Indonésia, por exemplo, gasta 2% de seu PIB; a Índia, 2,5%, e a China, 7%. Porém, conforme enriquecem, se tornam mais munificentes, um fenômeno conhecido como Lei de Wagner. Entre 1985 e 2012, o México quintuplicou a proporção de seus gastos sociais, e a do Brasil atual está em 16%. É uma manifestação de progresso.
Há uma forte correlação entre a porcentagem do PIB destinado por um país da OCDE a transferências sociais enquanto se desenvolveu entre 1880 e 2000 e sua pontuação em uma medida composta de prosperidade, saúde e educação. O número de paraísos neoliberais no mundo — países desenvolvidos sem um gasto social substancial — é zero.
A correlação entre gasto social e bem-estar social mantém-se apenas até certo ponto. A curva estabiliza-se a partir de aproximadamente 25% do PIB e pode até declinar em proporções maiores.
O gasto social, como tudo o mais, tem suas desvantagens. Como em todos os seguros, pode criar um “risco moral”, no qual os segurados se tornam negligentes ou correm riscos tolos, contando com a seguradora para tirá-los de um eventual apuro. E, como os prêmios têm de cobrir os benefícios pagos, o sistema pode entrar em colapso se os atuários errarem nos cálculos ou se os números demográficos mudarem de modo sair mais dinheiro em vez de entrar pelo regime de repartição.
Na realidade, o gasto social nunca é exatamente como um seguro, e sim uma combinação de seguro, investimento e caridade. Portanto, seu êxito depende do grau de sentimento dos cidadãos de um país de serem parte de uma comunidade. Entre os interesses do Estado e do Mercado, existem prioritariamente os da Comunidade.
Esse sentimento fraterno pode ser exigido além dos limites quando quantidades desproporcionais de beneficiários são compostas de imigrantes ou minorias étnicas. Essas tensões são inerentes ao gasto social e motivo de disputas políticas. Embora não exista uma “quantia correta”, todos os Estados desenvolvidos determinaram os benefícios de transferências sociais superarem os custos e se decidiram por quantias moderadamente elevadas, escorados em sua grande riqueza.
Gasto Social face à Contrarrevolução Igualitária publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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