terça-feira, 13 de agosto de 2019

Formação de Coalizões

Adam Grant, no livro “Originais: Como os inconformistas mudam o mundo”, afirma: ao procurar alianças com grupos que comungam de nossos valores, nós subestimamos a importância de compartilhar táticas e estratégias.

Recentemente, sociólogos mapearam a emergência de alianças incomuns nos movimentos sociais – como coalizões entre ativistas ambientais e do movimento gay, feministas e pacifistas, uma base de fuzileiros navais e uma tribo de nativos americanos. Eles descobriram táticas comuns serem um importante fator indicativo de alianças.

Mesmo envolvidos em causas diferentes, os grupos encontram afinidades quando usam os mesmos métodos de engajamento. Se você passou a última década participando de marchas e protestos, é fácil ter uma sensação de identidade e espírito comunitário com outra organização que trabalha da mesma forma.

As sufragistas formadoras de alianças com as ativistas da temperança eram mais moderadas em seus métodos, o que ajudou os dois grupos a encontrarem um solo comum. Quando as mulheres estavam organizando clubes de WCTU, uma líder original lançou os clubes sufragistas. Ambos os grupos tinham vasta experiência com lobby e edição de jornais. Começaram a atuar juntos em trabalhos de lobby, discursos em frente a câmaras legislativas estaduais, publicação de artigos e distribuição de material impresso, encontros públicos, passeatas e debates.

Juntas, as ativistas do sufragismo e da temperança convenceram diversos estados a aprovar o voto feminino. Ao fazerem isso, as sufragistas descobriram um princípio profundo da conquista de aliados. Esse princípio é mais bem ilustrado pelo caso da jovem e visionária empreendedora que encontrou um modo surpreendente de fazer seus críticos darem uma chance à sua ideia.

A percepção-chave é uma teoria Cachinhos Dourados da formação de coalizões. Os originais dão início a um movimento e costumam ser os membros mais radicais, com ideias e ideais às vezes se revelando fortes demais para quem os segue. A fim de formar alianças com grupos opostos, o melhor é temperar a causa, esfriando-a tanto quanto possível. No entanto, para as pessoas se sentirem atraídas pela causa, é necessária uma mensagem temperada com moderação, mas não pode ser nem quente nem fria demais, mas no ponto certo.

Costumamos supor objetivos compartilhados unirem as pessoas, mas a verdade é, com frequência, eles provocarem desunião. Um prisma para a compreensão dessas fraturas é o conceito de hostilidade horizontal. Embora tomem parte em um objetivo fundamental, os grupos radicais costumam falar mal dos aliados situados mais perto da corrente convencional e dominante, chamando-os de impostores e vendidos. Sigmund Freud explica: “São justamente as pequenas diferenças em pessoas de resto semelhantes as formadoras a base dos sentimentos de estranheza e hostilidade entre elas.”

É possível detectar hostilidade horizontal em todos os lugares. Quando uma mulher surda foi coroada Miss América, os ativistas surdos, em vez de saudá-la como uma desbravadora, protestaram. Como ela usava a linguagem oral em vez da linguagem de sinais, não era considerada “surda o bastante”. Quando uma negra de pele clara foi nomeada professora de Direito, a Associação de Estudantes Negros da universidade se opôs alegando que ela não era suficientemente negra. Um ambientalista radical referiu-se ao Greenpeace como um “monstro inconsciente motivado pelo lucro da ecograna” e “uma ameaça dinâmica à integridade do movimento verde”.

Para explicar por que esse tipo de animosidade acontece, há estudos sobre hostilidade horizontal em diferentes movimentos e minorias.

Em um deles, veganos e vegetarianos avaliaram membros do próprio grupo e também do outro grupo em relação ao público em geral. Os veganos demonstraram cerca de três vezes mais preconceito contra os vegetarianos do que vice-versa. Aos olhos dos veganos mais radicais, os vegetarianos só têm pose: se realmente se importassem com a causa, não comeriam produtos de origem animal, como ovos.

Em outro estudo, realizado na Grécia, membros do partido político mais conservador do país foram mais duros ao avaliar um partido político semelhante do que ao julgar um partido progressista, assim como membros do partido mais liberal de todos foram bem mais severos com o outro partido progressista do que com o mais conservador.

Judeus ortodoxos avaliaram mulheres judias conservadoras de modo mais negativo do que mulheres judias que não eram praticantes nem observavam as datas religiosas. A mensagem foi clara: se você tivesse fé de verdade, mergulharia nisso de cabeça.

Quanto mais alguém se identifica com um grupo extremista, mais busca se diferenciar dos moderados. Os radicais pressupõem eles ameaçarem seus valores.

Ser o único a defender uma opinião pode bastar para tornar um original comprometido temeroso o suficiente para se conformar com a maioria.

A forma mais fácil de encorajar o inconformismo é introduzir um único dissidente no grupo. É o primeiro seguidor capaz de transformar um maluco em líder. A presença de um parceiro capaz de nos apoiar retira muito do poder de pressão da maioria.

Simplesmente saber que você não é o único contestador torna muito mais fácil resistir à multidão. A força emocional também pode ser encontrada em números reduzidos.

Nunca duvide de que um pequeno grupo de cidadãos conscientes possa mudar o mundo. Na verdade, são os únicos que já fizeram isso. Para sentir não estar sozinho, você não precisa de uma multidão ao seu lado. Em organizações governamentais e de negócios, ter apenas um amigo é suficiente para reduzir significativamente a solidão.

Se você quer que as pessoas assumam riscos, é preciso mostrar-lhes não estarem sós. Foi esse o primeiro segredo do sucesso de várias outras revoluções. Quando jovens amigos expuseram o punho fechado por toda Belgrado, incluíram slogans como “Resistência por amor à Sérvia”, “Desafie o sistema” e “Resistência até a vitória!”. Até então, os sérvios se opunham privadamente à ditadura de Milosevic, mas temiam expressar sua desaprovação em público. Mas ao verem o punho do Otpor!, compreenderam que havia outros dispostos a quebrar o silêncio. Mais tarde, quando membros do movimento foram presos, os oficiais de polícia lhes perguntavam quem estava no comando. Popovic e seus companheiros os tinham treinado para se apresentar como “um dos 20 mil líderes do Otpor!”.

Movimentos de resistência ao redor do mundo ajudam as pessoas a superar o medo ativando o sistema de aceleração por meio de pequenas ações. Elas sinalizam o apoio de um grupo maior.

Quando Popovic treinou os ativistas egípcios, contou-lhes a história de como, em 1983, os mineiros chilenos protestaram contra o ditador de seu país, Pinochet. Em vez de correrem o risco de iniciar uma greve, eles fizeram uma convocação nacional para que os cidadãos demonstrassem sua resistência acendendo e apagando repetidamente as luzes de casa. As pessoas não tiveram medo de fazer isso e logo descobriram seus vizinhos também não tinham.

Os mineiros também convidaram todo mundo a reduzir a velocidade. Taxistas passaram a dirigir devagar e motoristas de ônibus também. Em breve, os pedestres estavam andando em câmera lenta e todos dirigiam os carros e caminhões em marcha reduzida.

Táticas como essa fizeram as pessoas se darem conta: “nós somos muitos e eles são poucos”.

Na Síria, ativistas despejaram corante culinário vermelho em fontes e chafarizes nas praças de Damasco, simbolizando a determinação dos cidadãos de não aceitar o governo sangrento de seu ditador, Assad. Em vez de encarar o terror de se erguer em resistência solitária, as pessoas conseguiram se ver como membros de um grupo. É mais fácil se rebelar quando a rebelião parece um ato de conformismo. Se outros estão envolvidos, então podemos aderir também.

Esnobando os modos solenes e compenetrados de grandes líderes morais como Gandhi, o Otpor! usou o humor para atrair aliados e desmoralizar inimigos. Enviaram presentes de aniversário a Milosevic: uma passagem só de ida para Haia a fim de ser julgado por seus crimes de guerra, algemas e um uniforme de presidiário.

À medida que uma imagem humorística ganha popularidade, o medo vai diminuindo. É difícil ter medo de se expressar quando você está rindo do alvo de sua rebeldia.

Demonstrações eficazes de humor são chamadas de “ações de dilema”: escolhas que deixam os opressores em uma situação de perder ou perder. É fácil perceber como esse tipo de humor funciona contra ditadores. Eles não costumam gostar de piadas.

A brincadeira tem um papel sempre quando o medo assume o controle. Em vez de tentar desativar o sistema de freio, ele usa as risadas para ativar o de aceleração. Quando não temos poder algum, trata-se de uma forma poderosa de converter emoções negativas em positivas.

Em uma de suas oficinas, os universitários estavam furiosos com o custo exorbitante das mensalidades. Eles propuseram abordar o reitor, mostrar-lhe fotos de sua dieta à base de macarrão instantâneo e se autoconvidarem para jantar toda semana na casa dele. Eles tinham aprendido a combater o medo com o humor. Se o reitor não os recebesse para jantar, deviam pelo menos lhe pedir as sobras…

A luta pela liberdade não é um mar de rosas. Na superfície, a liderança original é a imagem de um otimista. Quando muitos outros estavam mergulhados na apatia, ela visualizou um futuro melhor. Quando tantos se deixavam paralisar pelo medo, trouxe risadas e esperança, e acreditava um punhado de estudantes ser capaz de derrotar um poderoso ditador.

“Se eu me senti inseguro? O tempo todo, por dez anos.” Mesmo hoje, depois de liderar uma revolução bem-sucedida e treinar tantos ativistas na derrubada de ditadores, a liderança original pensa nas vidas perdidas naqueles movimentos e se sente responsável por não ter lhes ensinado o bastante.

Uma coisa é motivar as pessoas a sair empurrando suas TVs pelas ruas. Dar-lhes coragem para agir de forma mais consequente é um desafio muito maior. Quando perguntei a Popovic como os originais podem ativar o sistema de aceleração a fim de mobilizar esforços mais significativos, ele respondeu que costumamos fazer isso do jeito errado.

 

Formação de Coalizões publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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