sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Estagdesigualdade no Século XXI

An Experiment on a Bird in an Air Pump by Joseph Wright of Derby, 1768
Credito: The National Gallery, London

Steven Pinker, no livro “O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2018), afirma: reconhecer a vida das classes baixa e média nos países desenvolvidos ter melhorado em décadas recentes não é negar os enormes problemas das economias do século XXI. Embora a renda disponível tenha aumentado, o ritmo de crescimento é lento. A resultante escassez de demanda dos consumidores pode estar tolhendo a economia como um todo.

As dificuldades enfrentadas por um setor da população — o dos americanos brancos não urbanos de meia-idade e menos instruídos — são reais e trágicas. Elas se manifestam em maiores taxas de overdose e suicídio.

Avanços na robótica ameaçam tornar obsoletos milhões de empregos adicionais. Os caminhoneiros, por exemplo, exercem a ocupação mais comum na maioria dos estados americanos. Os veículos autônomos podem mandar essas pessoas pelo mesmo caminho dos copistas, consertadores de rodas de carroças e telefonistas.

A educação, grande impulsionadora da mobilidade econômica, não está acompanhando as demandas das economias modernas: o custo do ensino universitário subiu para as alturas, em contraste com o barateamento de quase todas as outras mercadorias. Em bairros pobres dos Estados Unidos o nível do ensino primário e secundário é condenavelmente inferior.

Muitas partes do sistema tributário americano são regressivas. O dinheiro compra influência política em demasia.

Talvez mais pernicioso ainda seja o fato de a impressão de a economia moderna ter deixado a maioria das pessoas para trás encorajar políticas luditas e protecionistas capazes de piorarem a situação para todos.

Ainda assim, um enfoque tacanho sobre a desigualdade de renda e a nostalgia pela Grande Compressão de meados do século XX são equivocados. O mundo moderno pode continuar a melhorar mesmo se o índice de Gini ou as fatias de renda do topo permanecerem altos, o que pode muito bem acontecer, porque as forças impulsionadoras não desaparecerão.

Os americanos não podem ser forçados a comprar um carro beberrão em vez de um carro elétrico. O desfrute de alta cultura ou tecnologia não pode ser mantido longe porque transformariam autores criativos em bilionários. Não faz sentido obrigar dezenas de milhões de americanos pobres a pagar mais caro por roupas com o objetivo de salvar dezenas de milhares de empregos na indústria têxtil. Também não faz sentido, no longo prazo, ter pessoas fazendo trabalhos maçantes e perigosos, possíveis de serem executados com mais eficiência por máquinas, só para dar uma ocupação remunerada a essas pessoas.

Em vez de combater a desigualdade em si, talvez seja mais construtivo lidar com os problemas específicos relacionados a ela. Uma prioridade óbvia é impulsionar a taxa de crescimento econômico, pois isso aumentaria o tamanho absoluto da fatia do bolo distribuída para cada cidadão ao resultar em um bolo maior para se redistribuir.

As tendências do século passado, assim como um levantamento dos países do mundo, apontam para um maior papel do governo nos dois casos. Governos estão em uma posição privilegiada para:

  1. investir em educação, pesquisa básica e infraestrutura, para administrar os benefícios de saúde e aposentadoria, livrando as empresas americanas de sua erosiva obrigação de providenciar serviços sociais, e
  2. suplementar rendas a um nível acima de seu preço de mercado, o qual, para milhões de pessoas, pode declinar mesmo quando a riqueza global aumenta.

O passo seguinte na tendência histórica a um maior gasto social pode ser uma renda básica universal ou seu equivalente: um imposto de renda negativo. Essa ideia, apesar do aroma socialista, a ideia foi defendida por economistas ultraliberais como Milton Friedman, políticos de direita como Richard Nixon, e estados conservadores como o Alasca. São associados à direita política, e hoje está no radar de analistas de todo o espectro político.

Embora esteja longe de ser fácil implementar uma renda básica universal, porque as contas fiscais têm de ser controladas, e os incentivos para educação, trabalho e iniciativa de risco precisam ser mantidos, sua promessa não pode ser desconsiderada. Ela poderia trazer racionalidade à colcha de retalhos do Estado de bem-estar oculto e poderia transformar o desastre anunciado dos robôs substituindo massivamente trabalhadores em uma fonte de fartura.

Muitos dos trabalhos passarão a ser feitos por robôs. Envolvem tarefas degradantes ou alienadas. Os dividendos em produtividade, segurança e lazer poderiam ser uma dádiva para a humanidade. Isto caso fossem repartidos de maneira ampla.

O espectro da anomia e falta de sentido provavelmente é exagerado, segundo estudos de regiões com experimentos com uma renda garantida, e poderia ser resolvido por meio de empregos públicos, em atividades onde os mercados não sustentam e os robôs não podem executar, ou com novas oportunidades em trabalhos voluntários significativos e outras formas de altruísmo eficaz. O efeito líquido poderia ser a redução na desigualdade, mas com um efeito colateral de elevar o padrão de vida de todos, sobretudo dos economicamente vulneráveis.

Em resumo, a desigualdade econômica não é um contraexemplo para o progresso humano. Não estamos vivendo uma distopia de rendas declinantes de modo a reverter os séculos de aumento da prosperidade. E também não precisamos, por causa disso, destruir os robôs, erguer a ponte levadiça, adotar o socialismo ou trazer de volta os anos 1950.

Por fim, Steve Pinker resume essa história complicada de um tema complicado.

Desigualdade não é igual à pobreza, tampouco é uma dimensão fundamental da prosperidade humana. Em comparações de bem-estar entre países, sua importância se dissipa diante da riqueza geral.

Um aumento na desigualdade não é necessariamente ruim: quando estão saindo da pobreza universal, as sociedades estão fadadas a tornar-se desiguais. A onda de heterogeneidade pode repetir-se quando uma sociedade descobre novas fontes de riqueza. E também nem sempre uma diminuição da desigualdade é algo bom: os niveladores mais eficazes de disparidades econômicas são epidemias, grandes guerras, revoluções violentas e colapso estatal.

Ainda assim, a tendência de longo prazo na história desde o Iluminismo é a de aumento na riqueza para todos. Além de gerar imensas quantidades de riqueza, as sociedades modernas dedicam uma proporção crescente dela a beneficiar os menos afortunados.

A globalização e a tecnologia tiraram bilhões da pobreza e criaram uma classe média global. A desigualdade internacional e global diminuiu. Ao mesmo tempo, tornaram-se mais ricas as elites cujo impacto analítico, criativo ou financeiro têm alcance global. As condições das classes mais baixas em países desenvolvidos melhoraram relativamente muito menos, mas melhoraram, muitas vezes porque seus membros ascendem a classes superiores.

Os avanços são intensificados pelo gasto social, pela queda no custo de vida e pelo aumento na qualidade das coisas desejadas pelas pessoas. Em alguns aspectos, o mundo tornou-se menos igual, porém, em mais aspectos a vida melhorou para as pessoas de todo o mundo.

 

Estagdesigualdade no Século XXI publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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