quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Consequências da Era dos Baixos Juros

Robin Harding (Financial Times apud Valor, 31/07/19) informa: esta será uma semana desconfortável e determinante para a economia mundial. Não porque o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) esteja a ponto de cortar os juros. Mas por causa do nível impressionantemente baixo das taxas de juros a partir do qual o Fed vai começar o ciclo de corte: uma faixa de apenas 2,25% a 2,5%.

Depois de mais de uma década de expansão econômica, e apesar de tudo, desde as tarifas alfandegárias até as reduções de impostos, parece esse ser o ponto mais alto alcançado pelas taxas de juros dos EUA. Enquanto isso, o Banco Central Europeu (BCE) debate se vai reduzir sua taxa negativa ainda mais. Até este mês, era possível imaginar uma volta eventual dos níveis anteriores à crise financeira, de 4% a 5%. Não mais.

As autoridades do Fed estimam: as taxas vão se acomodar em 2,5% no longo prazo. Se descontados os 2% de meta de inflação, o retorno real do capital será de mísero 0,5%. A taxa equivalente na Europa e no Japão será certamente muito mais baixa. Esses níveis tão baixos são uma mudança profunda com relação ao passado. Em 2000, a taxa referencial de juro nos EUA era de 6,5% e a real de cerca de 4%. Embora as taxas de juro afetem quase todos os aspectos da vida econômica, o mundo desenvolvido continua em profunda negação sobre as consequências desta Era dos Baixos Juros.

Há pelo menos oito temas para reflexão de investidores e formuladores de políticas.

Em primeiro lugar, existe uma relação estreita entre as taxas de juros de longo prazo e o crescimento econômico no longo prazo. Talvez o capital seja menos relevante para uma economia digital, mas os juros chegarem a seu limite em níveis tão baixos é um sinal de alarme sobre as perspectivas de expansão futura. [Por que? O custo de oportunidade não está mínimo? Por causa da “armadilha de liquidez”: situação na qual o aumento da oferta de dinheiro não tem por consequência uma queda das taxas de juros, mas simplesmente provoca um incremento nos saldos monetários ociosos.]

Em segundo lugar, a política monetária fracassou. Em 2008 e 2009 o Fed cortou a taxa em 5 pontos e isso não foi suficiente. O Banco do Japão, que não tomou nenhuma medida nesta terça-feira, praticamente desistiu de buscar sua meta de inflação de 2%. O BCE corre o risco de ir pelo mesmo caminho. O mundo está lamentavelmente despreparado para uma retração econômica: dois dos mais influentes BCs do mundo podem iniciar a próxima recessão com sua política de juro abaixo de zero.

Terceiro, se a política monetária fracassou, a política fiscal deve entrar em cena. Isso significa os governos precisarem aprovar gastos mais altos e redução de impostos como resposta à recessão ou dar aos BCs uma ferramenta fiscal, essencialmente emitindo moeda para gastar ou distribuir às pessoas. Como alternativa, os governos podem definir metas de inflação mais altas e usar a política fiscal para atingi-las. Isso daria a seus BCs mais margem de manobra para cortes quando precisassem.

Quarto, taxas de juro mais baixas tornam a dívida mais sustentável. Isso é especialmente verdadeiro para a dívida pública, porque os países na verdade tomam empréstimos a essas taxas baixas e livres de risco, e verdadeiro, de certa forma, para a dívida privada. Para muitos países, faz sentido contrair mais empréstimos a fim de investir. As previsões de crise financeira baseadas em níveis anteriores da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) provavelmente estão incorretas.

Quinto, investimentos antes não tão lucrativos passam a fazer sentido: modernização de estradas para economizar alguns minutos; drogas de nicho caras para ajudar algumas poucas centenas de pessoas; ou anos a mais de estudo para conseguir uma pós-graduação. Tais projetos podem parecer irracionais. Não são.

Sexto, qualquer ativo com previsibilidade de receita torna-se mais valioso, porque os fluxos de caixa futuros podem ser descontados a uma taxa mais baixa. Um monopólio no fornecimento de água ou eletricidade, terrenos no centro de uma cidade ou imóveis existentes: o valor desses ativos deve subir, portanto seu retorno combina com taxas de juro mais baixas. Essa tendência tem relação com movimentos recentes na desigualdade da distribuição de riqueza. Também põe os investidores sob risco de identificar bolhas financeiras, mas, na verdade, elas não existem. Uma resposta política vital seria cortar o retorno sobre o capital reservado para os serviços públicos.

Sétimo, a demanda por habitação vai crescer. Afinal, esse é o principal bem da maioria das pessoas. Há dois desfechos possíveis. Onde é possível construir, juros permanentemente mais baixos vão provocar um aumento no estoque de moradias. Se não é possível construir, as moradias vão se comportar como ativos de alta demanda, e seus preços vão disparar. Assim, a queda nas taxas torna as regras de planejamento e zoneamento uma questão econômica crucial.

Oitavo, com taxas baixas é mais difícil economizar. Fica mais difícil economizar para aposentadoria, e ainda mais difícil viver de renda. Esse fato tem sido ofuscado pelo aumento pontual no preço de ativos escassos, muitos dos quais são de propriedade de fundos de pensão. Mas os retornos futuros devem cair. O resultado será obrigar os trabalhadores a aceitar alguma combinação de aposentadoria mais tardia, taxas mas altas, contribuições previdenciárias maiores ou rendas mais baixas na velhice. [Trabalhadores aposentados por definição são rentistas; se a taxa de juros não atende o planejamento financeiro para a aposentadoria, é necessário cortar a propensão a consumir: a recessão se aprofunda.]

É possível que este período de juro baixo termine. Talvez o Fed esteja errado e tenha que elevar as taxas de forma acentuada no futuro. Talvez um surto de progresso tecnológico eleve o crescimento e estimule a demanda por capital.

Mas ninguém pode escolher fazer com que isso aconteça: isto não é uma trama perversa dos presidentes do Fed, Jerome Powell, e do BCE, Mario Draghi, para tornar miserável a vida dos poupadores do mundo. A taxa de juro de longo prazo equilibra o desejo de economizar e a demanda por investir. Os banco centrais são seus criados, não seus senhores.

A tendência de taxas de juro reais mais baixas já dura há décadas. Portanto, é possível isso tanto continuar como se reverter. Com os bancos centrais indo na direção do relaxamento econômico, é hora de parar de esperar as taxas se recuperarem e enfrentar o mundo tal como é atualmente.

Consequências da Era dos Baixos Juros publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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